O mais longo dos velórios

A súbita e misteriosa morte do papa João Paulo I, Albino Luciani, foi um divisor de águas. Até então, o destino da humanidade passava pelos subterrâneos do Vaticano. Agora, passa pelos subterrâneos da internet. Assim como sucedeu com o Papa Sorriso, que segundo uma das teorias conspiratórias foi envenenado pelos guardiões do cofre, a abdicação de Bento XVI será um capítulo especial entre as lendas urbanas. 

As últimas teorias conspiratórias que circulam pelos corredores do Museu do Vaticano, junto com milhares de turistas, nos levam a imaginar um filme baseado em intrigas internacionais: camorra napolitana, máfia americana, terroristas islâmicos, corrupção financeira, o mordomo Paolo Gabriele, tendo como introito o cadáver de um banqueiro enforcado sob a ponte dos Frades Negros (Blackfriars), em Londres. Um roteiro para Francis Ford Coppola, envolvendo ainda direitos dos homossexuais, aborto, eutanásia e, de permeio, o relatório da conferência episcopal norte-americana acusando de pedofilia mais de quatro mil padres, gerando um sem fim de ações criminais e processos de indenização.

Das tantas teorias conspiratórias que levaram Joseph Aloisius Ratzinger a pendurar as sandálias de pescador, a mais leve é do escritor Deonísio da Silva: “Em meio ao samba enredo do Vaticano, cardeais pensaram: vamos nos divertir um pouco nesse Carnaval. A gente anuncia a renúncia, as redações dos jornais estão às moscas e ficamos aqui nos deliciando com os festivais de besteiras no mundo todo, principalmente no Brasil!”.

Em meio ao festival de besteiras, o ex-seminarista Deonísio da Silva foi o único a lembrar corretamente os sete primeiros pontífices a desertar. Incluindo Celestino V, justamente aquele considerado por Ratzinger como um exemplo de humildade.  Quando esteve em Áquila, no centro da Itália, para orar pelas vítimas do terremoto, Bento XVI se demorou em orações junto ao túmulo de Celestino, o beneditino Pietro Angeleri que viveu em reclusão. Justamente como o erudito e sofisticado Ratzinger vai viver a partir de março. De origem muito pobre, Celestino nunca teria se ajustado ao trono de São Pedro. De tal modo que, no mesmo ano em que botou os pés em Roma pela primeira vez, foi convencido a abdicar no dia 13 de dezembro de 1294.

Para os brasileiros, 13 de dezembro de 1968 é uma data a gosto das teorias conspiratórias. Mesmo assim, prefiro acreditar que Joseph Aloisius Ratzinger será lembrado como um homem de coragem suficiente para reconhecer que, mesmo ungido pelo Espírito Santo, somos todos iguais perante o tempo. Com toda dignidade, Bento XVI será o primeiro pontífice a assistir suas próprias exéquias. O mais longo dos velórios, até o último de seus dias de vida.