O homem que conheceu Agache

Existe algum curitibano ainda vivo que conheceu pessoalmente o célebre arquiteto e urbanista francês Donat-Alfred Agache (1875-1959), que elaborou o Plano de Urbanização para Curitiba? Existe. Chama-se Amyr Cassou, médico e descendente de franceses, um curitibaníssimo que, do alto de seus 89 anos, tem a velha cidade na memória.

O Plano Agache foi o primeiro grande impacto urbanístico na sociedade paranaense do século XX. Para muitos, é a gênese da revolução urbana que começou em 1971. Amyr Cassou foi testemunha ocular dos traços que Agache deixou nas pranchetas da nossa história.

Quando estudante, nos anos de 1943-44, Amyr Cassou trabalhou na Prefeitura Municipal de Curitiba. Na Divisão de Edificações, registrava todas as transferências de terrenos em livros próprios e fazia o histórico das certidões nos últimos 20 anos.

“Aprendi com um cartorário e ninguém conhecia aquele trabalho, na época, como eu. Quando saí, tiveram que contratar quatro pessoas para colocar no meu lugar e dar conta do serviço. Agache era um francês de estatura acima da média, magro, simpático, muito competente. Fez um plano maravilhoso para a cidade, depois modificado. Meu chefe na prefeitura era Arnaldo Becker, meu primo. Mas no ambiente de trabalho eu só o tratava por dr. Arnaldo. Também trabalhava lá o engenheiro Raul Bruel, primo, do ramo de Louis Bruel que chegou ao Brasil junto com Auguste Bruel. O expediente era das 12h às 18h. Eu não ficava muito na prefeitura, saía para treinar futebol, para namorar.”

Robusto, feliz e sempre de bom humor, Amyr guarda na residência do Jardim Botânico alguns tonéis de cachaça envelhecida para o seu velório. E faz questão de contar desse firme propósito, durante a degustação acompanhada de um também prazeroso depoimento.

Médico pneumologista formado pela Universidade do Paraná, dr. Cassou nasceu em Curitiba (23 de setembro de 1919) no “Dia da Primavera”, no “Quarteirão do Tigre”, Rua Silva Jardim entre Marechal Floriano Peixoto e Des. Westphalen.

A infância de Amyr Cassou nos remete ao filme Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore. Só que no lugar do garoto Totó, o piá Amyr é que foi operador de cinema. No “Quarteirão do Tigre”, onde nasceu e morava em Curitiba, havia o Cine Santa Cecília, justamente na Rua Silva Jardim. “Era do Joaquim Oliveira. Quando Oliva o arrendou, virou Cine Paratodos. O operador que passava os filmes era o Pedro Stier, depois dono das antigas Casas Tarobá, na Praça Osório. Quando Oliva abriu outro cinema, o Broadway, o Pedro Stier foi para lá, ser operador. E eu substituí o Pedro no Paratodos.” Ele também se lembra do Cine Bijou, na Marechal Floriano, entre Silva Jardim e Iguaçu.

“No tempo de jovem, quando a Rua Chile ainda se chamava 5 de Maio, uma volta por Curitiba era assim: ia pela 5 de Maio, passava pelo asilo, seguia pela Ubaldino do Amaral, passava pelo Passeio Público e ia até o Alto da Glória. Depois, Rua Buenos Aires e outra vez a Chile.

Banho de rio da gurizada era no Barigui, ou no Tanque do Hauer.”

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“Comme il faut”, Amyr Cassou é um apaixonado por gastronomia. Fez parte do “Clube dos 8”, da Sociedade Thalia, de amigos cozinheiros que se reuniam frequentemente para testar receitas e jantar. “Desde então comecei a colecionar receitas. Já tenho quase três mil, que recorto, imprimo do computador e vou colando num cadernão.”

Alcachofra, aspargo e cogumelo são ingredientes que nunca faltam nas mesas francesas. Nem na mesa de Amyr Cassou, que se aventura bem na cozinha porque a mulher, Elza, não é chegada. E o prato tem que sair bom: “Comida, pra mim, tem que ter molho, se não é engasga ganso”, diz Amyr Cassou, reforçando a tradição francesa de excelentes e variados molhos.