Um homem nu invadiu o prédio da Universidade Federal do Paraná. Antes, ele foi visto transitando pelas ruas Marechal Deodoro e João Negrão. Ao entrar no saguão da universidade, ele foi abordado pelo vigilante: “O senhor é o da Praça do Homem Nu?” Não era. Mas podia ter sido. Assim daria mais dramaticidade ao caso.

continua após a publicidade

Segundo os registros da ocorrência, o homem nu aparentava 40 anos e exalava bebida alcoólica. Após ser constatado que sofria de problemas mentais, os policiais o encaminharam, vestido, a uma clínica de reabilitação, sem registro de atentado violento ao pudor.

Caso fosse ele o Homem Nu da Praça 19 de Dezembro, a história poderia ganhar uma versão baseada no conto O homem nu, do escritor Fernando Sabino. E não seria um exagero, pois O homem nu do contista já tem duas versões cinematográficas: a primeira de Roberto Santos, A nudez da verdade, de 1967, com Paulo José e Leila Diniz nos papéis principais. A segunda foi o quinto filme de Hugo Carvana, O homem nu, com Claudio Marzo no papel do despido que a certa altura da correria já era visto em todos os cantos do Rio de Janeiro.

Depois das filmagens, contou Hugo Carvana: “Sempre procurava evitar que aparecesse a nudez dele. Eu disse: vai ter de aparecer uma vez, para o público ver, mas você não vai ficar nu na filmagem. Vai usar uma sunga cor de pele. Mas às vezes aparecia um pedaço da sunga, a gente tinha de repetir. E ele reagia: quer saber de uma coisa? Vou tirar logo essa merda!”

continua após a publicidade

***

A versão curitibana do “Homem Nu” precisaria de efeitos especiais “óliudianos” (agora é preciso traduzir palavras estrangeiras). Porque fazer aquela escultura de Erbo Stenzel e Umberto Cozzo andar pela cidade seria uma obra digna de Oscar. O roteiro, com a linguagem de Dalton Trevisan, seria adaptado conforme a sinopse de Hugo Carvana.

continua após a publicidade

Numa madrugada fria e chuvosa como a de quarta-feira passada, sem uma viva alma nas ruas, o Homem Nu da Praça atravessa o Passeio Público, quase matando do coração os aposentados jogando xadrez, e caminha até a Rua Marechal Deodoro, onde a amante tem um apartamento. Recebido com um beijo na boca, o Homem Nu se entrega aos encantos da amada, até se reencontrar no dia seguinte, nu, numa cama em desalinho, depois de uma ardente noite de amor regada a muito uísque. O porre é grande. Tentando recompor na memória os fragmentos da noite passada com a polaquinha, o Homem Nu anda sem rumo pelo apartamento, abre a porta de entrada, vê um embrulho de pão no corredor e arrisca dois passos para pegá-lo.

A porta bate com um golpe de vento, deixando o Homem Nu do lado de fora do apartamento, sem conseguir entrar e completamente nu. O pânico o conduz do corredor do prédio para o elevador, do elevador para a Avenida Marechal Deodoro. Esse é apenas o início de uma louca e frenética maratona.

A notícia de que há um homem despido na esquina das Marechais se alastra pela cidade. Repórteres da Tribuna, equipes de TV e rádio e até o Ratinho saem às ruas, entrevistando as pessoas que o viram. O Homem Nu, a essa altura, é visto em toda parte. Inclusive na Boca Maldita.

Terrorista, dizem uns, está armado com granada, um tarado sexual, dizem outros. Nu e solitário, acossado por multidões vestidas, o Homem Nu é jogado em situações ao mesmo tempo hilariantes e dramáticas na obstinada tentativa de retornar à Praça 19 de Dezembro, tão aconchegante.

A polícia se mobiliza para prender o maníaco, que, escondido atrás de um carrinho de pipoca da Rua João Negrão, tentar fugir do cerco. Quando, finalmente, consegue chegar à Praça Santos Andrade, junto às escadarias da universidade, é abordado por duas estudantes de Direito:

É um tarado!

Olha, que braços bem esculpidos!

E aqui termina o filme, com as universitárias arrastando o Homem Nu para uma sala vazia da solene Universidade Federal do Paraná.