O garoto de Liverpop

Você lembra exatamente onde estava e em que circunstância soube da notícia do assassinato de John Lennon? Se não recorda, ou não havia nascido na bela época dos Beatles, você tem ainda mais motivos para devorar as 839 páginas da vida do garoto de Liverpool que revelava algum talento para a caricatura.

Faltou pouco, muito pouco mesmo, para o mundo perder um dos Beatles e ganhar mais um cartunista inglês. Se dependesse da tia Mimi, John deveria ter sido um diretor de arte em uma agência de publicidade.

Tal ocorresse, todos ainda estariam chorando, como aconteceu quando suas primeiras fãs souberam que a lista de sucessos do New Musical Express mostrava os Beatles pela primeira vez sozinhos no topo das paradas: “Os Beatles tinham sido notificados do triunfo alguns dias antes, para que Bob Wooler pudesse anunciar ao Cavern Club, quando lá se apresentassem, durante uma breve folga da turnê com Shafiro. Wooler esperava vivas e aplausos; em vez disso, todas as três primeiras filas, ocupadas pelas fãs mais militantes, desataram a chorar. Pois elas sabiam que os haviam perdido para sempre”.

Na livraria, à primeira vista, o catatau de Philip Norman parece mais uma arapuca das grandes editoras para aumentar o faturamento com um ídolo da música. Ledo (Ivo) engano: o livro da Companhia das Letras foi uma garantida diversão para um fim de semana com a segunda-feira enforcada por Tiradentes. E não há como duvidar com as indefectíveis frases de capa: “A melhor biografia de Lennon” e “O retrato definitivo de John Lennon, escrito com grande beleza e sagacidade”.

Está tudo lá. Uma suspeita fuga para Espanha com (Huummm…) Brian Epstein, o padrinho do primeiro filho (John Charles Julian, em homenagem ao pai, ao avô materno e, indiretamente, à mãe de John, Julia); de que forma George Harrison perdeu a virgindade (em Hamburgo, enquanto era aplaudido no ato pelos parceiros presentes); a origem do guruato de Yoko Ono (“A mulher eunuco”); a notável transformação do atleta sexual e que deixou de ser um porco chauvinista radical (Como é possível falar em poder para o povo a não ser que se leve em conta que “o povo” inclui ambos os sexos?); o personagem marcado em igual medida pela genialidade e extrema insegurança”. Está tudo lá, e mais um pouco.

Altura: 1,79 metro. Peso: 70 quilos. Cor dos cabelos: castanho. Cor dos olhos: castanho. Irmão e irmãs: não. Idade em que ingressou no show business: 20 anos. Hobbies: compor canções, poemas e peças; garotas, pintura, TV, conhecer pessoas. Cantores favoritos: Schirelles, Miracles, Chuck Jackson, Bem E. King. Atores favoritos: Robert Mitchun, Peter Sellers. Atrizes favoritas: Juliette Greco, Sofhia Loren. Comidas favoritas: curry e gelatina. Bebidas favoritas: uísque e chá. Carro favorito: ônibus. Roupas favoritas: escuras. Orquestra favorita: Quincy Jones. Instrumentista favorito: Sonny Terry. Compositor favorito: Luther Dixon. Gosta de: loiras, couro. Não gosta de: pessoas burras. Preferências musicais: rhythm-and-blues, gospel. Ambição profissional: compor um musical. Ambição pessoal: ser rico e famoso.

Para ser rico e famoso tem dessas coisas: quando Brian Epstein (judeu e homossexual) botou ordem na pocilga, ao obrigar os meninos a jogarem fora aquelas esquisitas roupas de couro preto e passar a usar terninhos cinzas feitos sob medida no caro alfaiate, o discípulo de James Dean disparou: “Uso qualquer porcaria para ganhar dinheiro”.

0E ganhou, mas teve que mudar também a pronúncia de menino bem-educado e aprender o sotaque daqueles marginais com roupas esquisitas de couro preto do subúrbio (“this”como “dis”, “them” como “dem” e “there”como “dere”).

“It’s all dis-dem-dere”, ele dizia, e fazia uma imitação de Fagin (personagem do romance Oliver Twis, de Dickens), esfregando as mãos, rindo e dizendo: “Dinheiro, dinheiro, dinheiro!”.