Na crucificação, Jesus Cristo padeceu ao lado do ladrão Barrabás. Tiradentes, que também morreu por nós, poderia ter tido um companheiro de suplício de nome parecido com Barrabás: Barnabé, o herói da vida brasileira que morre enforcado no crédito consignado e ainda leva a fama de ladrão.

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A forca está para Tiradentes assim como o salário está para o Barnabé: sempre apertado, mais que depressa termina com o coitado de língua de fora. Junto com Tiradentes, o Barnabé é um personagem da história que devia ser tão reverenciado quanto Tiradentes, levando-se em consideração suas desventuras. Se nas pequenas e grandes cidades a Praça Tiradentes é uma referência urbana, também uma praça devia ser batizada com o nome de Praça Barnabé, com a estátua em bronze do amanuense sofrido, mãos atadas à altura da coxa e com a corda no pescoço.

“Papagaio come milho, periquito leva a fama”, canta a marchinha popular. Barnabé, esse Tiradentes da República, é o periquito do serviço público que leva a fama dos papagaios da política. Está nas manchetes: metade dos 23 líderes da Câmara utilizou a cota de passagens em 82 viagens internacionais nos últimos dois anos. Para esses turistas com passaporte carimbado pelo eleitor, Nova York é bom, Paris é bom demais. Só um deles, deputado federal Fernando Coruja, emitiu 19 bilhetes internacionais, estendendo sua cota aérea para mulher, filhos e parentes conhecerem a mais fina gastronomia francesa. Outro turista que foi a Londres e Paris com a mulher é o baiano José Carlos Aleluia, que teve o desplante de pregar igualdade com o Executivo, dizendo que a primeira-dama Marisa Letícia sempre viaja com o presidente Lula. Pela escola ética de Brasília, a sociedade tem que financiar as mordomias de excelentíssimas consortes, e bota “com sorte” nisso! Todos têm uma justificativa na manga: o regimento da Casa não proíbe a folia e a conta do Visa deve ser enviada ao Barnabé da repartição para providenciar o pagamento em nome do eleitor.

E se assim não for feito, o periquito ainda leva a fama de desviar dinheiro público destinado ao poleiro do papagaio.

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Barnabé, esse brasileiro com a corda no pescoço, nasceu de uma marchinha carnavalesca satírica, nome do “funcionário que ganha só o necessário para o café e o cigarro”. Conta o historiador Jota Efejê (no livro “Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira), que Antônio Almeida e Haroldo Barbosa, os autores, precisavam de rimas fáceis: “Ocorreu, então, de pronto, o nome Barnabé que dava certinho com o verso falando em Letra E, inspirado pela classificação funcional vigente em 1948 e com vencimento de menos de dois mil cruzeiros”.

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Mais ou menos a mesma miséria que ganha um funcionário público atual, o Letra E do século XXI: “Servidor humilde, de baixa categoria tanto no alfabeto da escala funcional quanto no dinheiro que recebia no quarto ou quinto dia útil, o Barnabé era, exato e incontestável, o representativo do ‘vida apertada’. Personagem tão infiel de uma classe sempre pendurado, tentando no jogo do bicho mais alguns trocados ‘pro feijão e pro leite dos bacurinhos’ não ficou restrito ao reinado do Momo. Passou, pouco depois de popularizado nos dias de folia, para a consagração dos jornais. Luiz Paulistano, repórter de grande vivacidade (tragicamente desaparecido) levou-o para as colunas do Diário Carioca e nesse matutino relatava a ginástica, as dificuldades financeiras do pobre Letra E. Barnabé, cantado em marchinha, personificado em revista teatral, com nome sempre em evidência na imprensa tornara-se símbolo”.

Parodiando o governista Última Hora, jornal que em 1951 tinha uma coluna diária com o título de “O Dia do Presidente”, Luiz Paulistano criou no Diário Carioca uma seção intitulada “O Dia do Barnabé”. Ou, digamos, “O Dia do Enforcado”.