O comedor de galináceos

Pelo tamanho da mordaça que algumas celebridades pretendem impor aos escritores de biografia, o próximo passo dos novos agentes da repressão será a censura prévia dos jornais e revistas. Bem a propósito, o escritor Humberto Werneck, no seu delicioso livro “O desatino da rapaziada”, conta um caso de invasão de privacidade perpetrado pelo poeta Carlos Drummond de Andrade. 

Ninho de grandes escritores mineiros, o semanário Binômio era um ferrenho opositor ao então governador Juscelino Kubitschek. Tanto pegava no pé que certa vez, numa viagem de Juscelino em companhia do empresário Joaquim Rolla, o Binômio anunciou em manchete: “Juscelino foi a Araxá e levou Rolla”. O jornal foi recolhido das bancas por violento atentado às tradições morais da família mineira.

Em 1962, o Binômio deu destaque ao escândalo desencadeado pela publicação do poema “O sátiro”, de Carlos Drummond de Andrade.

Hildebrando, insaciável comedor de galinha./ Não as comia propriamente – à mesa./ Possuía-as como se possuem / e se matam mulheres / Era mansueto e escrevente de cartório.

Como esse Hildebrando, personagem da infância do poeta, existisse em carne e osso, sua família ameaçou processar Drummond. Atento, o então editor Wagner Pirolli despachou para Itabira o repórter Jacob Cajaíba e o fotógrafo Célio Apolinário. Hildebrando, como se poderia prever, não quis dar entrevista. Ocorreu então aos enviados do Binômio a ideia de comprar umas galinhas e contratar dois garotos para jogá-las em cima de Hildebrando, à saída do cartório.

Cajaíba não coube em si de remorso quando viu as fotos de velhinho, atônito em meio à revoada de galináceos, numa reportagem de página inteira no Binômio. O arrependimento foi uma das razões que levaram o repórter a abandonar o jornalismo, poucos anos mais tarde.

A história terminou com Carlos Drummond de Andrade, numa crônica no Jornal do Brasil, pedindo a Hildebrando que se retirasse de seu poema. E não se tem notícia de que os galináceos tenham embargado o livro do poeta.