Na semana passada, uma equipe da Editora Abril esteve em Curitiba para realizar produção visando à homenagem que o arquiteto Jaime Lerner vai receber da revista Casa Cláudia, em São Paulo. Na Ópera de Arame, os produtores reuniram em torno de Lerner alguns poucos amigos para gravar descontraídas reminiscências da época em que o arquiteto era prefeito de Curitiba.

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Nireu Teixeira era um dos convidados. Jornalista de origem e advogado de formação, Nireu continua encantando a todos com seu bom humor e sua memória prodigiosa, apesar de prejudicado fisicamente: ?Fui atingido na casa das máquinas!?.

No palco da Ópera de Arame, com Lerner entre quatro circunstantes, coube a Nireu Teixeira o segundo maior papel no documentário que terá a duração de apenas cinco minutos. Chefe de gabinete de Jaime Lerner em suas três gestões, Nireu foi um dos principais coadjuvantes da épica reforma urbana de Curitiba. Se não era o mais importante, era um dos mais próximos auxiliares do arquiteto de 33 anos. Tão próximo, que em determinados períodos chegou a assumir a prefeitura, quando Lerner viajava ao exterior, graças a um bizarro decreto que delegava também ao chefe de gabinete preencher a vacância do titular. Na ditadura militar não existia vice-prefeito e os vereadores só faziam figuração.

Notável tocador de caixinha de fósforos, certa noite o prefeito interino estava numa roda de violão e cavaquinho, quando um alto funcionário da prefeitura fez menção de se retirar, em virtude do adiantado da hora.

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– Não seja por isso! – ordenou o chefe de gabinete – Fica pois decretado que amanhã será feriado em Curitiba! E revogam-se disposições em contrário!

A tertúlia musical varou a noite, porque a noite do Brasil varava o dia.

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Era o breu da ditadura, tempos de nomeações: Jaime Lerner tinha sido nomeado prefeito da capital pelo governador Haroldo Leon Peres, por sua vez nomeado governador pelo general Emílio Garrastazu Médici.

Nomeados eram muitos, desnomeados eram os suspeitos de sempre. Principalmente nos quadros da prefeitura, onde os perdigões da caserna farejavam comunistas disfarçados de barnabés. Enquanto o charmoso prefeito acompanhava obras que transformariam a cidade, o chefe de gabinete empilhava sucessivos ofícios solicitando a demissão sumária de elementos suspeitos na folha de pagamento da municipalidade.

Funcionária do Ippuc, Zélia Passos, mulher do advogado e ativista político Edésio Passos, era a ?comunista predileta? dos sabujos da repressão. O escritor Jamil Snege, então diretor do serviço social da prefeitura e, posteriormente, redator da assessoria de imprensa, também mereceu alguns ofícios que foram parar na gaveta do chefe de gabinete.

O gabinete de Nireu Teixeira, no Palácio 29 de março, era especialmente vetusto e, durante os 12 anos de Lerner, sempre o mesmo: a mobília parecia ter sido adquirida do espólio do Barão do Serro Azul, as únicas peças que exalavam algum frescor eram os copos de cristal para servir chá-mate batido com limão e gelo. E tinha os gavetões, enormes, de onde o chefe de gabinete retirava pilhas de documentos para o jovem prefeito analisar e assinar.

– Nireu, o que eu faço que esses ofícios?

– Deixa que eu rasgo!