O caipira Beto Richa

Nascido em Londrina, filho de um ex-prefeito de Londrina, Beto Richa sai desta eleição como fenômeno eleitoral. É preciso atentar, ainda, para outro fenômeno: pela primeira vez um londrinense foi consagrado pelas urnas da capital com mais votos que todos os outros curitibanos já eleitos.

Há 50 anos, se perguntassem ao curitibano da cepa se um londrinense poderia ser eleito prefeito de Curitiba, a resposta viria com sotaque leitE quentE: “De caipira, aqui estamos cheios!”. Se alguém duvida, trago como prova o jornalista Renato Muniz Ribas (de pseudônimo Reinaldo Egas) e sua crônica publicada em fevereiro de 1958, “Quando o caipira virou proveito”.

Se ainda estivesse entre nós, o lapiano Renato mudaria apenas uma palavra do título: “Quando o caipira virou prefeito”. De resto, com o texto abaixo vale lembrar que, em 1958, José Richa era um “caipira” de Londrina que estudava odontologia em Curitiba.

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“Antigamente era um horror ser provinciano. Chegar a Curitiba e arrumar-se na vida nova era um verdadeiro transtorno para o “caipira”, que na capital descia em busca de emprego.

Cada café era um ponto de encontro, cada pensão era um foco de região, de alguma localidade perdida neste Paraná. Ali na Praça Osório, nona Ema hospedou muitos conterrâneos. Como era camuflado o comércio de pensão, quando um estranho batia, perguntava se dispunham de acomodações. A resposta era sempre a mesma: “Isto não é hotel. Somos uma família em roda de tia Ema”. O estranho se despedia e jamais à mesa das refeições sentou alguém que não fosse conterrâneo.

Por isso, talvez, ou pelo jeito de falar com gíria diferente, tínhamos a bossa do caipira. As maneiras de vestir desajustado e pouco faceiro. De nossas conversas eram feitas anedotas, e o nosso proceder era imitado com palhaçadas pelo pessoal da capital.

Uma vez um grupo de estudantes provocou briga com três carrancudos de Londrina. Eles não dispensaram a ocasião e não durou sair arruaça, com resultado pouco benéfico para os nossos olhos inchados no dia seguinte. Com isso, cresceu a rivalidade dos filhos de Londrina e de nossa turma de pensão, que nos bares e em qualquer local de encontro trocavam deboches, com vontade por uma briga.

Anos mais tarde foi que novas caras foram se chegando às nossas, e se foi descobrindo que os londrinenses não eram estúpidos, que de valentia não tinham nada, que era melhor pacificar os ânimos.

Com uma festa na boate Stuart colocou-se um termo no assunto. Mas, para os da capital, da Cidade Sorriso, o “caipira” era sempre o mesmo, alguém sem valor que chegava necessitando de uma ajuda. Lembro de certa ocasião quando solicitei um emprego numa firma. A resposta veio na hora: “De gente do interior, estamos cheios!”. Mas, com a vinda de uma política diferente àquela ditadura do Getúlio, os homens de roupas caras, de cabelos engomados, vestiam roupas de brim e foram pelo interior pedir voto e tomar chimarrão com batata-doce no chão batido das cidades pequenas.

Aí o “caipira” virou amigo, tinha parentesco de longe, e as promessas choveram. Estradas foram surgindo, homens de longe vieram sentar na Assembléia, e o provinciano trouxe costumes, mostrou ser alguém, e para provar que pode, é ele quem vive nessa política de hoje.

Agora, eu vejo que o curitibano está virando gente do interior, procurando parentes por esses caminhos diversos, querendo eleitor para um lugarzinho na política.

É a história de faturar seguro, que criou esse conceito, e que está acaipirando os homens da cidade grande, tão bons nos dias de hoje, e que nas sombras de nossa amizade conseguem um prestígio qualquer.

E ainda há quem diga que nós, como “material”, não prestamos.”