Com Millôr Fernandes numa estrela a nos iluminar, foi aberta a temporada de caça dos velhos escritos daquele escritor que também se assinava Emmanuel Vão Gogo.  Paulo Henrique (Vitamina) Schmidlin foi aos seus ricos guardados e me enviou um recorte amarelado da revista “O Cruzeiro”, de 27 de junho de 1953, com um “Artigo de fundo” do Millôr que parece ter sido escrito de encomenda para a Boca Maldita.

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À HORA DO CAFÉ HÁ:

O sujeito que deseja bem forte, com pouco açúcar.

O que pede café bem fraco, com muito açúcar.

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O que só toma café em copo, porque “tem outro gosto”.

O que aprecia café com pó, à moda turca.

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O que detesta pó.

O que não se importa com o café, veio só para ver a moça da caixa.

O que detesta café frio e pede para esquentar bem a xícara.

O que tem ódio de todos os comerciantes estabelecidos e parte a xícara se ela tem o mínimo desgaste.

O que toma café grande em xícara pequena (Só os loucos).

O que toma café pequeno em xícara grande.

O que toma café de um gole.

O que fica furioso com café derramado no pires.

O que fica remexendo a xícara durante horas e só toma quando está frio e o assunto da conversa acabou.

O que pede café por pedir pois quando sai a xícara ainda está cheia.

O que tem medo de micróbios e antes de tomar o café vira um pouco do conteúdo no chão, para esterilizar a borda da xícara.

O que, pelo mesmo motivo, bebe com a mão esquerda como se não houvesse doentes canhotos.

O que sempre vira aquele pouquinho de água que fica na xícara.

O que jamais toma café sem derramar nas próprias calças.

O que sempre que toma café cospe, faz uma cara feia, e só então se lembra que esqueceu de por açúcar.

O que se recusa tomar café porque não o deixa dormir (Muito embora seja meio-dia).

O que só toma café com um pingo de leite.

Ao que se contrapõe o outro que toma só o leite com um pingo de café.

O que sempre diz que isso não é café: em São Paulo sim, sabem fazê-lo.

O que sempre encontra um pouco de batom na xícara e pede outra.

O que acha que ninguém toma tanto café quanto ele.

O que acha sempre que está há meia hora esperando para ser servido.

O que acha que sessenta centavos pagos por uma xícara de café dão direito também a namorar as moças do café.

Os que gostam é do odor do café: cheiram, não bebem.

Os que tomam café para prestigiar o principal produto brasileiro.

E enfim os que tomam café porque não têm dinheiro para tomar outra coisa, e que, diga-se de passagem, constituem a quase maioria. 

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Estes últimos não frequentam os nossos cafés, porque na Boca Maldita os abonados constituem a maioria absoluta.