Dizem os pés vermelhos que Curitiba é uma cidade-estado encravada no sudoeste do Paraná, vive num mundo cor-de-rosa à parte e não costuma se misturar com os demais habitantes do estado. Cidade das calçadas mais toscas e indecentes de todo o planeta, por onde passa um povo receptivo e amistoso– isso se receptivo e amistoso tem o mesmo significado de povinho chato e de nariz empinado

continua após a publicidade

Nem sempre foi assim. Houve um tempo em que Curitiba lambia as botas avermelhadas de Londrina. Quando o café era a vedete da noite curitibana, o dinheiro novo de Londrina vinha para Curitiba só para acender o charuto com nota de quinhentos. Para desespero dos oligarcas do dinheiro velho que, da varanda de seus palacetes da erva-mate, ficavam a ver navios, com o ouro verde passando ao largo do Batel, rumo ao porto de Paranaguá.

Naqueles idos – conta em suas memórias Humberto Puiggari Coutinho, fundador do primeiro jornal de Londrina –, apareceu no norte do Paraná um estranho benzedor. Numa tarde de verão, amenizada pela brisa soprada das bandas do sul, estava Coutinho sentado no jardim de sua residência em Londrina, na rua Pernambuco, quando um homem modestamente vestido parou no portão, deu-lhe uma humilde bas-tarde e perguntou: “O senhor tem geladeira?”.

“Tenho. Por quê?” – respondeu o pioneiro jornalista.

continua após a publicidade

“É que me interessa saber se ela funciona regularmente, sem encrencagens” – aproximou-se o estranho de vasta e cerrada barba.

“Funciona mais ou menos… E a que vêm essas perguntas?” – ressabiou-se o dono da casa.

continua após a publicidade

“Pois é, seu doutor. Eu posso fazer com que qualquer geladeira ou qualquer máquina funcione otimamente, sem encrencas, durante dez anos garantidos. Isso sem tocar em nenhuma peça”. 

“Muito interessante, realmente. E por quanto? Mas, diga-me, como faz isso?”.

“O preço é muito barato. Cinquenta cruzeiros, apenas. Estive muitos anos na Índia, onde fui discípulo do mais afamado benzedor do mundo. Especializei-me em benzedor técnico de máquinas em geral. Meu trabalho é garantido”.

Coutinho devolveu o bas-tarde ao se despedir: “Muito bem, meu velho. Minha geladeira já foi benzida e funciona perfeitamente. Bata aí na porta do vizinho que tem duas geladeiras encrencadas e anda à procura de um benzedor”.

Cinquenta e poucos anos depois, Londrina precisa acudir a capital. No Centro Cívico, poucas são as geladeiras que funcionam regularmente, sem “encrencagens”. E aquelas que ainda funcionam não atendem tantas demandas.

Os pés vermelhos que despachem o milagroso técnico de máquinas em geral para benzer o Centro Cívico. A coisa aqui não tá vermelha como lá no Norte. Aqui tá preta!