Fechou o Bar Botafogo, tradicional ponto de encontro das Mercês.  Sábado passado o mais antigo sodalício da classe média curitibana de seu último suspiro nas mãos da família Mazzaroto. Ponto de encontro da Sociedade Botafogo – cuja sede ainda está em pé onde hoje á Churrascaria Tobias, na Torre da Telepar -, a placa que identificava a estrela solitária era pouco maior que uma caixa de fósforos, mas a sua exclusiva freguesia era cheia de histórias.

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Irineu Mazzarotto, o Queixinho, era o patriarca atrás do balcão do Bar Botafogo, há 65 anos na Avenida Manoel Ribas, 700, com uma lotérica ao lado: a Loteria do Queixinho. Curitibaníssimo, ele apreciava Curitiba lá do alto das Mercês e dizia: “Melhor que as Mercês, só as Mercês com chuva”

Pouco antes de falecer, vendeu a lotérica porque não conseguia mais atravessar a rua para depositar o dinheiro na agência da Caixa Econômica quase em frente. Foi roubado inúmeras vezes e, na última, espancado e pisoteado na calçada, enquanto lhe arrancavam das mãos o movimento do dia.

Certa vez assaltaram não só a lotérica, como também o bar, que se comunicava pela porta dos fundos. Começo de noite, todos os clientes e funcionários foram trancados num único banheiro. Dezesseis ou mais pessoas, umas sobre as outras. Queixinho foi estendido no chão, com um pé sobre o seu pescoço. Numa mesa de canto, só um freguês não foi notado.

No Bar Botafogo era prática comum o jogo de xadrez entre a freguesia, com os enxadristas incrivelmente compenetrados na partida, como se estivessem no maior silêncio. O espanhol Alberto Sanchez, também já falecido, era um deles. Quando os meliantes entraram, Sanchez tinha acabado de receber uma ameaça de xeque-mate e ali restou, compenetrado, enquanto se desenvolvia a ação. Consumada a rapina, os ladrões se escafederam.

Sanchez ficou sozinho lá naquele canto. De tão absorvido, nem piscava. No silêncio tumular, o espanhol compenetrado se levantou e foi ao banheiro, encontrando-o trancado. Bateu na porta, silêncio. Bateu outra vez, silêncio. Então perguntou: “Tem gente?”.

A gritaria que se ouviu a seguir, só Irineu Mazzarotto para contar. Quanto ao nosso querido Alberto Sanchez, não viu o filme de terror, não viu os bandidos. Assim de repente, assustado com os amigos que vazavam do banheiro, o espanhol até desaprendeu o português: “Yo no he escuchado nada! No he visto nada!”. Num outro assalto no Botafogo, os ladrões entraram na casa lotérica que fica ao lado, tendo aos fundos uma porta que dá acesso ao bar. No meio do assalto algo deu errado e todos saíram correndo pela Manoel Ribas. Inclusive os assaltantes. No dia seguinte, comentava o Queixinho: “Preciso mandar alargar essa porta principal. Ontem passaram por ela, ao mesmo tempo, umas oito pessoas, mais os ladrões!”.

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