A lei da intolerância fez mais uma vítima, além daqueles já vitimados pelo tabaco. No livro de bolso Botecário uma fração do Dicionário Internacional de Boteco está prejudicada. Lançado em 2004, nele traduzi para 18 línguas a pergunta “Tem área para fumantes?”, que agora no Admirável Boteco Novo perdeu o sentido.

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Com um brinde ao mundo e a todo mundo, o Botecário é um copo meio cheio meio vazio contendo frases fundamentais para a mínima comunicação nos bares do planeta. Além das línguas oficiais de vários países, fomos buscar outros dizeres que traduzem o espírito de tantas gentes, porque o espírito não tem fronteiras.

No Admirável Boteco Novo ficou sem sentido a pergunta “Tem área para fumantes?”, antes uma demonstração de cortesia e tolerância.

Alemão: Gibt es hier hier ein Nichtraucherraum? / Catalão: Hi há zona de fumadors? / Espanhol: Hay zona de fumadores? / Flamengo: Is dit een rokerszone? / Francês: Il y a une zone fumer, s’il vous plâit? / Hebraico: Ha’im yesh po ezor hishun? / Holandês: Is her hier een rook gebied? / Iídiche: Su du a platz far die vus recharn? / Indonésio: Ada tempat untuk perokok? / Inglês: Do you have a smoking section? / Italiano: C’é spazio per im fumatori? / Japonês (com tradução do saudoso Cláudio Seto): Tabako suubasho wa? / Polaco: Czy ma miejsce dla palacy? / Sueco: Finns det rökavdelning? / Bloguês: Po fuma? / Gauchêz: Tem aqui um curral pra puxar um trago, tchê? / Manezêz (o idioma de Floripa): Tem lugari pra acender um papa-terra? / Portunhol (tradução de Tiago Recchia): Tien área para fumadores?

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O Admirável Boteco Novo é o nome do que restou do bar doce bar que para tantos agora azedou, expressão que o advogado e professor de Teoria Geral do Estado P.H.V.C. (só as iniciais, para ninguém ser fuzilado pelo Pelotão da Saúde) retirou do livro O Admirável Mundo Novo, escrito por Aldous Huxley em 1931, que em resumo é a fábula de uma sociedade completamente organizada, onde não haveria vontade livre, abolida pelo condicionamento.

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Nesse Admirável Boteco Novo só faltará se proibir a bebida, que faz tanto mal quanto o cigarro. Será um ambiente impérvio à arte, a conversas inspiradoras, como lembrou
a P.H.V.C. o mestre Eduardo Rocha Virmond, “quando me disse que o seu diploma de advogado foi obtido na UFPR, mas a sua verdadeira graduação se deu no Café Belas Artes em conversas madrugadas adentro na companhia de Samuel Guimarães da Costa, Glauco Flores de Sá Brito, Nireu Teixeira e outros, em meio a pinguços, fumantes e sabe Deus mais que tipo de gente. Ali, jovem estudante de Direito, ele aprendeu o pensamento de Max Weber, Tocqueville; a filosofia de Platão e a psicanálise freudiana.

No bar, sossegado e anônimo”.

Foi no Admirável Boteco Novo, prossegue P.H.V.C, “que surgiu outra cretinice legislativa (de lavra do vereador Roberto Acioli) que é obrigatoriedade de os bares manterem um cadastro fotográfico de todos os seus clientes com os respectivos endereços e telefones. Como concretizar isso na prática é um mistério que nem mesmo a augusta cabeça do vereador conseguiu decifrar. A justificativa para a primeira lei é o pulmão alheio e, para a segunda, é conter o ímpeto assassino e violento de quem frequenta bares.

Essas iniciativas profiláticas constituem uma verdadeira agressão à condição humana. Há muito tempo que o bar é um refúgio para o homem fazer sua catarse, pensar na vida, discreta ou ostensivamente.

Ao cadastrar os clientes com fotos e endereço o bar perderá o seu elemento essencial de servir como refúgio. A hipótese de que todo frequentador é um criminoso em potencial é absurda”.

Para o professor de Teoria Geral do Estado, O Admirável Boteco Novo, num ambiente profilático e saudável, é um hospital, um asilo, um salão paroquial. A sociedade já possui esse tipo de ambiente. Quem frequentava o boteco velho sabia o que iria encontrar”.