– Como tudo começou?
– Começou no dia do 7×1, doutor! Ele trouxe da praia meia dúzia de tainhas fresquinhas e convidou os amigos para jantar, depois do Brasil x Alemanha. Tainha recheada com farofa de pinhão. O jogo começou às cinco, lá pelas três da tarde ele eu já estava servindo as ovas como aperitivo. Foi um ajantarado, como se diz. Até os seis minutos fatais ele estava bem. De vez em quando ele ainda comentava um lance ou outro. Mas quando terminou o primeiro tempo e os amigos começaram a sair de mansinho, ele derreou. Derreou de vez com o apito final, quando todos foram embora. Não sobrou ninguém para comer as tainhas. No dia seguinte joguei tudo fora.
– Além de perder o apetite, o que mais ele perdeu.
– Acho que perdeu os amigos. Sinceramente, isso não se faz com ninguém. É muita falta de consideração abandonar um jantar com as tainhas ainda no forno. Além das cervejas, que ficaram boiando no gelo derretido do tanque de lavar roupa. Depois daquele 7×1, parece que perdeu também o gosto pela vida. Não sai mais de casa, nem mesmo os programas esportivos na tevê ele tem visto. Muito pelo contrário, quando entra o Globo Esporte se tranca no quarto e dorme o resto do dia.
– Os sintomas são de abulia.
– Abulia?
– Abulia é a absoluta falta de vontade para fazer qualquer coisa. O abúlico revela uma evidente falta de motivação, sentimento de impotência, dando a impressão de estar permanentemente cansado. Arriado, como diz a senhora. Na psiquiatria, abulia apresenta-se como a falta absoluta de vontade, a ausência de desejos e decisões.
– Tudo isso por causa do 7×1, doutor?
– É possível que sim. Como é possível encontrar diferentes tipos de abulia: a neurastênica, a esquizofrênica, a catatônica e a melancólica.
– Então deve ser a melancólica, pois também comigo se deu uma melancolia tão grande, tão grande, que melancolia igual a essa só me abateu na morte do Ayrton Senna.
– A abulia melancólica caracteriza-se pela existência de impulsos para atuar que depressa desaparecem devido a um intenso sentimento de impotência.
– Foi bem isso: sentimento de impotência. Ele implorava para o jogo terminar logo, porque nada mais poderia ser feito.
– Felizmente não é o caso da abulia do seu marido.
– Alguma coisa pode ser feita, doutor?
– Em se tratando de um caso muito especial de abulia, só posso lhe receitar um tratamento para se readequar à realidade. Doses semanais do Campeonato Brasileiro.
– Podemos começar hoje mesmo?
– É só escolher um dos dois: Coritiba x Figueirense; Flamengo x Atlético. O que o abúlico precisa é de uma terapia homeopática de noventa minutos por semana. Se ele dormir ainda no primeiro tempo, não o perturbe. O sono vai favorecer o tratamento.