Depois do Galvão ?porque me ufano de meu país? Bueno, o que mais aborrece nas transmissões esportivas no rádio e na televisão é a mania de narrar estatísticas. Nove em cada dez locutores não comentam o jogo, debulham números. Os números não mentem, mas ?há três espécies de mentiras – dizia o escritor Mark Twain – mentiras, mentiras disfarçadas e estatísticas?.

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Todos observam, mas nenhum narrador esportivo, especialmente na televisão, reconhece que determinada partida de futebol transcorre ruim demais. Nesse caso, o jogo poderia ser estatisticamente melhor: 76% de passes errados, 50% de bola rolando, 0% de chutes a gol; três faltas a cada cinco minutos e, sem mais comentários, 75% da transmissão é dedicada aos números e retrospectos do campeonato.

Temos a nítida impressão de que o locutor passa 50% do tempo de olho no jogo, 50% de olho na calculadora. Ou então a jornada esportiva conta com uma equipe contábil de plantão.

No abalizado parecer das estatísticas, um atleta não possui ?técnica deficiente?, tem ?números deficientes?. Vejamos o caso do atacante Dinei, do Atlético Paranaense (19 jogos no campeonato brasileiro: cinco vitórias – 26,32%, sete empates – 36,84%, sete derrotas -36,84%, 29 gols-pró, 28 gols-contra, um gol de saldo, média de 1,53 gol, 22 pontos ganhos, e aritmeticamente quase rebaixado para a segunda divisão): o jogador não é ruim de bola, ele apenas tem um aproveitamento de 1% dos chutes a gol, erra 90% dos passes, 78% das vezes que recebe a bola dentro da área é desarmado pelos zagueiros e, para o técnico, ele continua 100% prestigiado.

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 ?As estatísticas provam que a mortalidade no exército aumenta sensivelmente em tempo de guerra.? Especialmente quando o nosso time está perdendo a batalha, as estatísticas são torturantes. O narrador, não satisfeito em somar os números da derrota, do fundo do baú multiplica um histórico de decepções. É o caso do Atlético Paranaense, quando enfrenta o São Paulo. Os paulistas têm orgasmos com uma planilha na mão, cantam em prosa e verso os números favoráveis ao tricolor do Morumbi: em 36 jogos na história, foram 14 vitórias do São Paulo. 12 empates, dez derrotas, 57 gols-pró, 44 gols contra e eles ainda têm 13 gols de lucro. Os números doem!

Hoje o Atlético recebe o Vasco da Gama (no campeonato brasileiro, 17 jogos, nove vitórias, três empates, cinco derrotas, 33 gols pró, 21 gols contra), pela Copa Sul-Americana. O retrospecto cruzmaltino na Arena da Baixada não é bom – assim vai abrir a transmissão. O Vasco nunca venceu o Furacão na Arena da Baixada. Em cinco jogos, foram quatro vitórias atleticanas e um empate. O Vasco venceu pela última vez em Curitiba no dia 21 de outubro de 1998, por dois a um, na Vila Capanema. Henrique e Donizeti marcaram. Alex Oliveira, de pênalti, marcou para o rubro-negro.

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Se o Atlético estiver vencendo – que o deus das estatísticas nos ouça – os bons números serão repetidos à exaustão. Se perder – como as estatísticas dos últimos jogos do rubro-negro prevêem -, o narrador vai repetir de cinco em cinco minutos que Mário Celso Petraglia nunca conseguiu ganhar do Vasco da Gama no Rio de Janeiro.

Enquanto os locutores desfilam números, haja paciência. A alternativa é acender mais um cigarro, porque está provado que fumar é uma das principais causas das estatísticas, já disse um torcedor anônimo.