Nosso novo vizinho

Curitiba tem um novo morador ilustre. Davide Boriani, um dos mais importantes artistas plásticos do mundo, está morando na Avenida Silva Jardim. Até o final do ano passado, Boriani passava seis meses na Europa, outros seis meses no Brasil. Ainda com uma agenda internacional, o mestre das cores e formas em movimento é o nosso novo vizinho.

A vizinhança da Avenida Silva Jardim precisa conhecer esse italiano de Milão, nascido em 1936. Nada mais, nada menos, Davide Boriani foi um dos criadores e protagonistas da arte cinética, no início dos anos sessentas. Um pioneiro. Exatamente em 1960, foi cons-

tituído em Milão o Grupo T, que gerou a obra artística em movimento, movida por energia eletromagnética e eletromecânica, promovendo a interatividade com os espectadores. O texto de apresentação era de um jovem chamado Umberto Eco.

Adiante do seu tempo, Boriani realizou já em 1962 a mostra futurista ?Permutazione d?immagine?, com intervenções de ordem cibernética. Logo em seguida, passou a realizar inacreditáveis experiências de terceira e quarta dimensão. Em 1964, criou o primeiro ambiente interativo – ?Spazio + Linne-Luce + Spettatore? -, apresentado na mostra ?Nouvelles Tendences?, em Paris.

A década de 60 foi um período rico para Davide Boriani, com participações em bienais, trienais e grandes exposições na Europa e nos Estados Unidos.

O inconformado ano de 1968 mudou a trajeto de Boriani: politicamente engajado, a partir daquele ?ano que não acabou? o artista recusou-se a participar de mostras e prêmios oficiais. Suas pesquisas se voltaram para intervenções de ?arte pública? nos espaços urbanos; experimentações que ainda hoje causam espanto, tanto estavam no futuro.   

O menino que viu a guerra na esquina de casa varou o mundo. Depois de uma retros-pectiva em Nova York, no ano passado, Davide decidiu descansar o surrado passaporte italiano no Paraná. Um repouso merecido para o filho único de uma família operária, que começou a carreira como aprendiz de cenógrafo no Teatro alla Scala di Milano. Professor aposentado da Accademia di Brera, também em Milão, onde se graduou, Boriani tem o mérito de ter implantado em Brera o curso de Design, uma disciplina até então pouco conhecida.

Especialista na pintura em afresco, desenhista com sólida formação acadêmica, Davide Boriani é personalidade cultuada na tradicional Accademia di Brera, onde, por felicidade, veio a conhecer a aluna curitibana Marlene Seara – artista plástica, ex-diretora de arte publicitária, mãe de seus dois filhos, e com quem desfruta a ampla casa na Avenida Silva Jardim, abarrotada de obras de arte e experimentações cinéticas que poucos curitibanos têm o privilégio de conhecer.

No pequeno círculo de ?afortunados vizinhos? de Davide Boriani, todos reconhecem que, dos múltiplos talentos do ex-curador da Bienal de Veneza, um deles é de dar água na boca: ?Vocês brasileiros fazem um belo churrasco, de nossa parte temos obrigação de fazer belos molhos e massas?, agradece Davide, diante da mesa bem posta da família Boriani, artistas também de forno e fogão.

Davide Boriani fala perfeitamente o português, com aquele delicioso sotaque da velha Santa Felicidade. Melhor que isso, de espírito aberto e gene-roso, o mestre gostaria de expor suas obras em Curitiba.

Só espera que os vizinhos o convidem.