Nossa velha praia

“O Rio é o mar, Curitiba o bar”, decretou Paulo Leminski. O poeta só não disse que a nossa praia era o Passeio Público. Junto ao Bar do Pasquale (hoje Bar e Restaurante do Passeio Público), com sua tradicional feijoada, bolinhos de arroz e pedalinhos, em vez do barulho do mar tinha música da melhor qualidade.

Por obra e falta de graça das posturas ambientais, aliadas ao mau humor de uma moradora poderosa de um prédio vizinho, hoje o samba, o jazz e o chorinho não animam mais aquela nossa velha praia. E todos os parques da cidade recebem concertos de música popular e erudita, menos o mais bonito parque no coração de Curitiba.

Uma lástima, porque poucos sabem que a vocação musical do Passeio Público vem de longe. Quem ainda lembra que em pleno Passeio Público já existiu uma das mais famosas boates de Curitiba, endereço da boemia e dos grandes músicos da época?

Em 1957, o jornalista Renato Muniz Ribas assinava uma coluna com o pseudônimo de Reinaldo Egas, nesta Tribuna do Paraná, dedicada à vibrante vida noturna curitibana dos barões do café. E não eram poucas as atrações daquela Curitiba que esbanjava o ouro de Londrina: Cadiz Clube, Boneca do Iguaçu, Boite Moulin Rouge, La Ronde, Caverna, Dakar, e o ponto alto da boemia: a boate Marrocos, do rei da noite Paulo Wendt (se não me falha a memória do que não vivi, assassinado a tiros dentro da própria Marrocos). No livro de famosos autógrafos da Marrocos, anotou Reinaldo Egas: Cauby Peixoto, Trio Nagô, Lucio Alves, Dolores Duran, Orquestra Cassino de Sevilha, Nora Ney, Jorge Goulart, Trio Irakitan, Trio Los Panchos e dezenas de outros grandes nomes que se perderam na memória.

Quem primeiro anunciou a boate do Passeio Público foi Reinaldo Egas, com essa notinha na edição do dia 12 de março de 1958: “Ali no Passeio Público inaugurou o Club Tropical, com uma orquestra formada por gente conhecida em nossas madrugadas. Entre eles estão Luizinho, Costa e Zeca e outros mais. Às 18 horas de ontem houve um coquetel para os amigos do pessoal responsável pelo endereço”.

No coração da cidade e do Passeio Público, o Club Tropical foi um sucesso de varar madrugadas, como acompanhou o boêmio e jornalista Renato Muniz Ribas:

23/7/58 – “No Passeio Público, Zeca vai arregimentando freguesia, e já está pequeno o local para receber os que são da noite”.

26/11/58 – “No Passeio Público o endereço poético de Zeca (o maluco do teclado), solidificando o prestígio do já conhecido Tropical”.

6/3/59 – “Telegrama foi enviado ao Costa, chamado da Argentina para vir formar ao lado de uma orquestra portenha, que fará animação da Tropical”.

Raulzinho (Raul de Souza), foi um dos grandes músicos que passaram pela Club Tropical, como registrou o falecido jornalista Aramis Millarch: “No Tropical, quando sentia que os “barões do café” que ali gastavam milhares de cruzeiros em noitadas alegres preferiam ouvir tangos e boleros, Raulzinho, para consolar, pegava um pedalim e ia fazer serenatas ao solitário búfalo numa das ilhas do Passeio. O que o inspiraria, em 1973, ao chegar aos Estados Unidos, na composição de White Buffalo”.

Hoje no Passeio Público não tem mais búfalo. Música, só na lembrança dos aposentados que já não escutam os convites das raparigas que fazem ponto no local. Por mais que a prefeitura se esforce em preservar o parque do nosso coração, a região está degradada pela prostituição, hotéis “meia estrela” de alta rotatividade (protegidos por policiais corruptos) e drogas em geral.

A vocação musical do Passeio Público precisa ser reparada.