Normal ou anormal?

Melhor do que uma entrevista com Pelé, só mesmo uma entrevista com Edson Arantes do Nascimento. Ao dar conselhos aos meninos, os dois deram um drible majestático no Robinho: “Daria a ele o conselho que ouvia do meu pai: Deus te deu o talento de graça. Cuide dele”. Sobre o comportamento de Neymar, os dois acreditam que o garoto ainda não está preparado para vestir as chuteiras da pátria: “Não é isso o que esperamos do Neymar. Em todos os jogos fora do país, ele não vai bem. Todos acham que ele precisa resolver os problemas do Brasil. Ele não está preparado para receber esse peso. Não vai dar para ele. Não está preparado para isso”.

Nas palavras de Edson Arantes do Nascimento, Neymar é um craque normal. Não é como Pelé, considerado na Argentina como um anormal. Isso mesmo, anormal. Nem mais, nem menos, como nos contou o cronista esportivo Carneiro Neto. 

No final da década de 70, Carneiro Neto e João de Pasquale (o célebre Pasquale do Passeio Público) foram passar uma segunda lua-de-mel em Buenos Aires. Por supuesto, com suas respectivas esposas. Para abrir os trabalhos, foram tomar uns “tragos largos” no CaféTortoni. Pediram “Séptimo Regimento” (“uísque, jerez, conhaque”) e elas escolheram “Mi Bella Dama” (“pisco, licor de banana, leche e conhaque”). Quando começaram a pedir os sólidos (“Lomo al plato” e “Jamon cocido e matambre com ensalata rusa”), um argentino da mesa ao lado pediu licença aos casais e perguntou de onde eles eram. 

– Somos de Curitiba, Paraná.

– Muy bien, Curitiba. Una ciudad muy hermosa! 

O gringo, então, aproximou a cadeira e desandou a falar sobre futebol brasileiro. Tinha os craques canarinhos na ponta da língua. Conhecia em detalhes o problema ocular do Tostão. Sabia que Gérson fumava na concentração e gostava de levar vantagem em tudo.Pasquale ficou impressionado: o gringo era uma enciclopédia do futebol brasileiro. Debulhou não só a escalação do América do Rio de Janeiro, como também perguntou por onde andava o craque Zé Roberto, artilheiro do Coxa: “Quanto mais borracho, melhor jogava”.

Carneiro Neto ficou intrigado: de um por um, o portenho fazia comentários. Só não citava o nome de Pelé. Na altura do primeiro cafezinho (“bacardi, crema y canela”), Carneiro não se aguentou mais e perguntou, um tanto quanto incomodado: “O senhor lembrou de todos grandes nomes do futebol brasileiro. Meus parabéns, sua memória é fantástica.No entanto, só não citou um nome: Pelé! Por quê?”.

O homem de paletó e gravata, muito elegante, levantou da cadeira e respondeu enquanto enrolava o cachecol no pescoço: “Señor, yo estoy hablando de personas normales. Pelé no es normal. Es un anormal!”.