Noite suja

Do Amapá ao Paraná, passando por Pindamonhangaba (São Paulo) e Jijoca de Jericoacoara (Ceará), as autoridades incompetentes ordenaram as devidas fiscalizações das casas noturnas. Em Santa Maria os fogueteiros da banda Gurizada Fandangueira e dois sócios da boate Kiss foram encaminhados ao xilindró. Enquanto isso, os sócios ocultos da tragédia foram para a porta do velório dar entrevistas em nome da lei, eximindo-se do dever não cumprido.

Uma casa com capacidade para 1500 pessoas pode ter uma única porta de saída? Quem permitiu a utilização de artefato pirotécnico em ambiente fechado? Na vistoria, o responsável verificou se o material de isolamento acústico estava dentro das normas técnicas? Por que o alvará vencido ainda estava tramitando na burocracia?

As perguntas serão respondidas com o silêncio dos coniventes, da mesma forma como outros já tentaram acobertar tragédias semelhantes pelo mundo afora. Se reunirem num só local todos os impunes e prósperos proprietários dessas arapucas dançantes e alguém gritar “Fogo!”, não sobra um, meu irmão! Sem generalizar (pois toda a generalização é burra), mas uma expressiva parcela dos empresários da noite, sob a proteção da autoridade, só conhece um tipo de documento legal: o alvará de soltura.

Outros horrores estão em compasso de espera, sempre contando com o silêncio dos coniventes. No final do ano passado, uma casa da moda aqui em Curitiba ficou às escuras numa tempestade e, completamente lotada, fechou suas portas para ninguém sair sem pagar a conta. Foram três horas de terror, com os seguranças da casa cercando a manada.

O terror, em pequena ou grande escala, é sempre o mesmo. Em maio de 2012, um estudante de 18 anos foi espancado por seguranças de um bar, nas imediações da Praça Espanha, e teve a perna esquerda amputada depois que os médicos constataram que ele poderia morrer se não passasse pelo procedimento cirúrgico. O motivo da agressão, segundo a família do estudante, foi o fato de ele não ter R$ 20,00 para completar a conta de R$ 60,00 que deveria pagar.

Santa Maria é lá e aqui. Agora que a noite não é mais uma criança, bares e boates estão parecendo penitenciária de segurança máxima, cercada de seguranças por todos os lados. Com uma só porta para entrar e sair, é preciso atravessar o cordão de isolamento, preencher a ficha de internamento e entrar em ordem unida para ser atendido por um garçom que não se sabe se é anjo da guarda ou guarda-costas.