Depois de propor a criação de uma lei que tornará obrigatória a tradução de palavras estrangeiras para o português, o governador Roberto Requião enviou à Assembleia projeto de lei com uma lista de locais onde será proibido fumar. No rol, aeroportos, escolas e hospitais. Sim, é preciso lei para não fumar na UTI.

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Essa lei do governador chega em boa hora, porque ninguém mais suportava o fedor de cigarro nas salas cirúrgicas e nos corredores das milhares de unidades de saúde espalhadas por todo o Paraná. Hospitais públicos, como bem sabemos, são o que não faltam no Paraná. O problema é que a população não tem acesso à assistência médica porque a fedentina da nicotina não deixa ninguém entrar. Nas escolas e universidades o quadro e o pulmão são negros: alunos fumam nas salas de aula como se estivessem no boteco e os professores, que não sabem mais onde torrar dinheiro, passam a lição fumando charutos cubanos.

Na lista, estão ainda supermercados (onde todos os caixas fumam descaradamente na frente do freguês); centros comerciais (quando será que o shopping vai criar vergonha na cara e banir o tabaco das escadas rolantes?); casas de espetáculo (no Teatro Guaíra, até cinzeiros instalaram junto às poltronas); aeroportos (no Afonso Pena, o que impede pousos e decolagens é o “fumacê” dos passageiros); e nos restaurantes (onde os não fumantes são convidados a se retirar).

Chega de ironias (senão algum iletrado assessor vai exigir direito de resposta), porque se faz necessário perguntar com certo siso: mesmo sem projeto de lei, onde nos estabelecimentos acima citados é permitido fumar? Talvez, nos bares e restaurantes, em áreas reservadas para o freguês botar mais um prego no próprio caixão, e mesmo assim correndo o risco de ser escalpelado pelas milícias antitabagistas.

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Sem ironias, é preciso deixar bem claro, até repetir: a lei chega em boa hora, porque ninguém é contra proibir o cigarro em locais fechados. Pelo menos em sã consciência. O que causa cansaço é que, como sempre, a lei chega atrasada. A própria população, fumante ou não fumante, já estabeleceu informalmente limites de convivência. Não só em ofícios públicos, também no ofício privado há muitos anos o fumante sabe que na rua é o seu lugar. E onde assim não é, respeite-se o livre arbítrio do dono da casa e do seu próprio nariz. Como exemplo o presidente da República, que costuma sacar da cigarrilha dentro do seu gabinete. Convocado a dar sua opinião sobre o projeto de lei federal que proíbe o fumo em lugares fechados, o Lula disse: “Eu defendo, na verdade, o uso do fumo em qualquer lugar. Só fuma quem é viciado”.

Ao comentar essa politicamente incorreta declaração do presidente, a jornalista Bárbara Gancia (que não fuma!) escreveu então: “O que Lula disse tem um fundo de razão. Fumantes hoje são discriminados como se fossem assassinos ou pedófilos, quando na verdade o que deveria estar sendo combatido é o fumo em si, sua venda, a baixa taxação do cigarro, a qualidade do produto vendido no Brasil (que é muito mais nocivo do que, por exemplo, o cigarro consumido nos EUA). Quem fuma, nos dias de hoje, é porque não consegue parar. Não custa nada se colocar no lugar do outro de vez em quando a fim de clarear os horizontes”.

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O repentino e tardio despertar do governo só pode ter uma explicação: é o Estado cheio de si, o retardatário que só inventa leis para mostrar serviço. O autoritário pai protetor (e não provedor) que dita ordens, mas não cumpre com suas obrigações.

Que a lei faça a vontade da maioria, sem esquecer a minoria: em São Paulo, onde o governador José Serra saiu na frente, o estado é obrigado a dar assistência médica aos fumantes. No projeto de Roberto Requião, o governo estadual não vai prestar nenhum tipo de ajuda aos viciados.

No máximo, vai pregar uma placa com o alerta: “No smoking!”. Com tradução, é claro.