Certas histórias se parecem com cachorrinhos perdidos. De tão simpáticas, são recolhidas e guardadas até que o verdadeiro dono apareça. Uma dessas anedotas adaptei para um conto natalino, tendo como personagens Nicolau e Nicoleta. Pai e mãe às vésperas de um ataque de nervos.

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– Estas listas de presentes estão me deixando de saco cheio! -esbravejou Nicolau, enquanto se dirigia à geladeira para pegar mais uma cerveja.

Também de saco cheio com o queixumeiro marido, Nicoleta respondeu, enquanto tratava de acender as luzes do presépio.

– Com esse nome, às vésperas do Natal qualquer Nicolau estaria de saco cheio!

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Dona Nicoleta estava coberta de razão. Desde o feriadão de 15 de novembro o marido Nicolau vem recebendo duas vezes por dia a visita do carteiro. A caixa de correspondência fica abarrotada com tantos envelopes vindos de toda a Europa, onde no dia 6 de dezembro comemora-se o dia de São Nicolau. Principalmente na Holanda, Noruega e Rússia, mas é na Polônia que São Nicolau é recebido com mais entusiasmo, porque as cores nacionais combinam com sua roupa e, sendo assim, todos se vestem de vermelho e branco para presentear familiares e amigos.

São Nicolau não é considerado apenas o amigo das crianças. Se tornou tão popular porque foi o primeiro santo da igreja a proteger não só os carentes e as crianças, mas também as mães.

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Graças ao favorecimento às mães deve-se o respeito de dona Nicoleta ao santo nome de seu marido e, ainda, o fervor com que divulga um dos milagres de São Nicolau. Era uma vez, conta Nicoleta, uma família muito pobre que, não tendo como custear o banquete e o dote de casamento de sua filha, ganhou no Natal um saco cheio de moedas de ouro e prata. O saco recheado foi obra do bispo Nicolau que, na calada da noite, desceu pela chaminé da casa e o depositou junto ao presépio para ajudar no casamento da desprovida menina apaixonada.

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E foi no dia 6 de dezembro que a filha mais nova do seu Nicolau e da dona Nicoleta entrou em casa chorando. A acudir, correram todos.
– O que foi minha querida?
– Não sou mais virgem! Sou uma vaca!
– Uma vaca? Oh, meu São Nicolau!
Com as mãos no rosto, vermelha de vergonha, a pobre menina mais não disse e foi se trancar no quarto.
Silêncio na mesa do jantar. De repente, começam as acusações mútuas. Nicolau bate na mesa e joga uma xícara pela janela.
– Isto é para você tomar jeito! Fica se exibindo como uma fruta barata e se arreganha para o primeiro imbecil que chega aqui em casa. É claro que isso tinha que acontecer, com os exemplos que você passa a essa menina!
Nicoleta, também gritando, joga um prato de porcelana no chão:
– E quem é o idiota que gasta metade do salário na madrugada e se despede dos amigos de boemia na porta de casa? Pensa que eu e as meninas somos cegas? E, além do mais, que belo exemplo de homem você é? Com essa caríssima TV por assinatura, e mais a banda larga, quem passa os finais de semana assistindo filmes eróticos?
Desconsolada, à beira de um colapso, Nicoleta corre para o quarto da filha. Com os olhos turvos de lágrimas, voz trêmula, pega ternamente as duas mãos da caçula e pergunta baixinho:
– Como foi que isso aconteceu, minha filha?
Engasgada de soluços, a menina responde:
– A professora me tirou do presépio! A Virgem agora é a Vanessa, eu vou fazer o papel da vaquinha!
– Vaquinha de presépio? Vou falar com a diretora!
– Se não sou mais virgem, mamãe, pelo menos quero fazer o papel de anjo!
Depois do jantar a família foi às compras. Nicolau, de saco cheio, à frente. Atrás, Nicoleta conferindo as listas de presentes para o Natal. Em dezembro, vaquinha de presépio é o dono da casa.