?No interior das relações de parentesco, normalmente, toleram-se os defeitos que, ao contrário, são duramente condenados nos outro.?  A frase não é da promotora Terezinha Signorini. Foi escrita pelo líder anarquista Giovanni Rossi, em 1894, analisando os resultados do laboratório humano implantado na Colônia Cecília.

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O governador Roberto Requião considerou ?absolutamente ridícula? a ação do Ministério Público Estadual que pede a demissão de todos os seus familiares e dos parentes dos secretários de Estado nos cargos em comissão no governo.

No livro Colônia Cecília e outras utopias (Imprensa Oficial do Paraná, tradução de Marzia Terenzi Vicentini e Miguel Sanchez Neto), o cientista e sonhador italiano Giovanni Rossi relata sua aventura ideológica nos campos de Palmeira (PR). Nepotista militante, Roberto Requião nunca poderia ser um anarquista, como já se considerou um dia. Avesso às relações de parentesco, as idéias de Giovanni Rossi vão muito além da ?Carta de Puebla?, o ideário de cabeceira do governador – como se deduz pelos parágrafos abaixo.

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?A vida moral da comunidade não tem correlação, nem pode tê-la ainda, com sua organização econômica e política. As faculdades anti-sociais que necessariamente se desenvolveram na vida burguesa ainda perduram, enquanto as faculdades morais correspondentes à nova vida social não tiveram ainda tempo para se desenvolver e se consolidar. A essa contradição entre as tendências pessoais e o esquema da vida coletiva é preciso acrescentar a ação irritante da pobreza e o efeito nocivo das relações de parentesco.

Por causa da pobreza somos obrigados a nos submeter o dia inteiro à escravidão do trabalho; ainda por causa da pobreza não podemos ser livres na escolha das coisas que contribuem para criar o bem-estar.

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Mas o pior ocorre por causa da família. As mulheres, que em razão do desenvolvimento intelectual atrasado são decididamente conservadoras e pouco sensíveis aos ideais de renovação humana, na Colônia Cecília, de modo geral, representam o egoísmo doméstico. Instaladas na cozinha e no armazém, sempre competiram para tirar proveito da propriedade coletiva. As parentes entre si procuravam monopolizar aquelas pobres coisas das quais podiam dispor.

(…) No interior das relações de parentesco, normalmente, toleram-se os defeitos que, ao contrário, são duramente condenados nos outros. Quem possui família tem um medo tão grande da pobreza que acaba causando aborrecimento ao outro, que sempre lhe parece não estar produzindo o suficiente ou estar consumindo muito. Os solteiros, nunca os vi contaminados por tamanho egoísmo.

(…) Deverão convir, então senhores, que, assim como as velhas formas de família se desmantelaram, a família cristã também está morrendo, e inúmeros sinais estão anunciando sua agonia. O que os senhores estão temendo, nos o desejamos; e neste centro experimental estamos convencidos de que tão-somente quando a molécula familiar estiver decomposta nos átomos que a constituem, a propriedade dos meios de produção voltará ao clã; mas o clã da nova era será o gênero humano; somente então as relações sexuais serão livres, à completa autonomia individual corresponderão, necessariamente, sem contradições, a solidariedade econômica e a liberdade política. E isso, para nós, quer dizer comunismo e anarquia.?

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A escritora Zélia Gattai escreveu o livro Anarquistas, graças a Deus. Roberto Requião está escrevendo ?Nepotistas, graças a Deus?.