“É excusado dizer que o primeiro dia será igual ao segundo, e o segundo igual ao terceiro, e como, por um princípio estranho à matemática, duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si, ligeiras variedades apresentará o grupo em seu programa diário, não havendo necessidade, assim de mais por-se na carta”.

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O abre alas (e entre aspas) acima é um proclama do carnaval curitibano de 1884. O tempo passa, o tempo voa, 125 anos depois esta proclamação da folia parece ter sido escrita para os tríduos momescos de hoje. Especialmente em se tratando dos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro: o primeiro dia será igual ao segundo, e o segundo igual ao terceiro que acontece, uma semana depois, no desfile das campeãs. São várias escolas iguais entre si, com ligeiras variedades. Viu uma, não há necessidade de acompanhar as outras.

O Carnaval carioca é de real grandeza, sem dúvida, mas hoje carece de imaginação. No quesito evolução, parou no tempo do Joãozinho Trinta. Bem me lembro, o Brasil aguardava até o sol raiar uma nova surpresa na passarela. Agora, de tanta mesmice, até os paulistas não fazem feio.

O que o sambódromo poderia apresentar de novo, além de uma nova e deslumbrante decoração para o camarote da revista Caras? Sabe-se lá! Talvez uma máquina do tempo que transportasse os turistas da “Oropa” França e Bahia para os idos da Dercy Gonçalves e do Entrudo. Na falta de samba, o Carnaval do século XIX tinha os “limões de cheiro”. Essas pelotas de cera líquida, feitas à mão pelos escravos e vendidas nas ruas, alvejavam os janotas, figuras de terno, gravata e polainas. A guerra da limonada (infusão de limão com penico) começava uma semana antes. As sinhazinhas se divertiam jogando o “limão de cheiro” nos janotas, botando a culpa nos escravos. A herança cultural atravessou o século, visto que as nossas elites ainda costumam aprontar das suas e acusar os maus modos da plebe.

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“Duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si, com ligeiras variedades”, podemos proclamar também quanto à padronização dos sambas enredos das escolas de samba. Quantos sambas nesses últimos anos chegam nas proximidades da maravilhosa Aquarela brasileira, samba enredo da Império Serrano, em 1964?

Vejam esta maravilha de cenário / É um episódio relicário / Que o artista num sonho genial / Escolheu para este Carnaval / E o asfalto como passarela / Será a tela / Do Brasil em forma de aquarela

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Nesse quesito (incluída de modo especial toda a história das Escolas de Samba de Curitiba e Antonina), sou mais a folia dos antanhos. A revista satírica “Olho da Rua” (Curitiba, fevereiro de 1908) publicou um soneto que bem “espelhava a animação e a irreverência” do hoje maldito Carnaval curitibano:

Depressa veste teu dominó preto / E vamos à Rua XV alegremente / O teu braço no meu por entre a gente / Nas ondas deste povaréu inquieto

Hão de aplaudir o teu perfil / De polaca lindíssima e decente / E aí, diante de qualquer coreto / Havemos de dançar como um demente

A valsa e o carque-warque requebrado / No fim hei de ficar bem porreado / Beberei a valer nem que me mordas

A todos mostrarei meu grande rabo / E tu, de braços dado com esse diabo / ostentarás tuas gambias gordas

Não vou passar o Carnaval em Curitiba, nem que me mordas! Sigo os passos da absoluta maioria que desce a serra, sobe a serra, nem que me mordas! Antes disso, porém, estaremos no fim da tarde desta quinta-feira na festa pré-carnavalesca do Bar Ao Distinto Cavalheiro, nem que me mordas!

É excusado dizer que o primeiro Carnaval do Distinto foi igual ao segundo, e o segundo igual ao terceiro, e como, por um princípio estranho à matemática, duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si, ligeiras variedades acontecem naquele boteco de esquina. As marchinhas serão aquelas mesmas de antanho e o chope, sempre o mesmo, beberemos a valer, nem que mordas!