Natal compartilhado

Das mais divertidas tradições natalinas, nas colônias italianas era costume as crianças receberem um mimo antecipado de Santa Luzia, no dia 13 de dezembro. Digamos que fosse uma “amostra grátis” do Dia de Natal. Para isso, entretanto, no dia anterior era preciso apanhar do mais tenro capim para alimentar o cavalinho de Santa Luzia. Além do capim caprichosamente disposto numa cestinha, muitos botavam na soleira da porta ainda um prato com farinha e açúcar.

Na manhã seguinte a piazada levantava alvoroçada da cama, para ver se Santa Luzia havia passado por ali. Com o cavalinho de pandulho forrado e a cestinha vazia, em seguida todos saíam em disparada para procurar onde Santa Luzia teria escondido os presentes. Nada de muito caro, quase sempre uma barra de chocolate ou um bom biscoito doce feito em casa. Eram tempos difíceis, mais do que isso só mesmo no Dia de Natal, e olhe lá!

Veio de Napoli a inesquecível canção a Santa Lucia: “Sul mare luccica / l’astro d’argento; / placida è l’onda, / prospero il vento. Santa Lucia, Santa Lucia!”.

No norte da Itália, principalmente na região de Bérgamo, o Dia de Santa Lucia é marcado por um provérbio camponês: “A partir de Santa Lucia / se encompridam os dias”. No calendário Juliano, a jornada de Santa Luzia era a da noite mais longa e a do dia mais curto do ano. Hoje, no calendário gregoriano, este dia mais longo coincide com o de Santo Tomás, dia 21 de dezembro. Justamente no dia em que o mundo iria acabar, segundo o duvidoso Calendário Maia.

No mais antigo dos natais que ainda lembro, ganhei um cavalinho de presente. Tenho-o guardado na fotografia. Nas minhas cavalgadas da imaginação o cavalinho se chamava Silver, o cavalo do Zorro. Mas se eu fosse acreditar na história da minha mãe, aquele seria o cavalinho de Santa Luzia.

Depois daquele cavalinho branco, nosso intermediário de Natal passou a ser o Papai Noel – figura que não entrou em nossa casa pela chaminé, mas sim pelas revistas de circulação nacional. Principalmente através de O Cruzeiro, onde a propaganda da bicicleta Caloi tornou-se motivo de nossos sonhos natalinos. E foi assim que desmontei do meu cavalinho branco para montar numa Caloi zero quilômetro, a primeira bicicletinha a desfilar pelas ruas de Nova Trento. A manhã do dia seguinte ao Natal ninguém esquece. É o dia dedicado a mostrar aos amigos e vizinhos os presentes recebidos. É o dia de compartilhar as graças recebidas de Santa Luzia.

Não lembro de um Natal tão feliz quanto aquele em que o cheiro da bicicleta novinha em folha tomou conta de nossa casa. Não podia ser diferente, pois no ano seguinte meus pais se separaram e os nossos natais nunca mais foram os mesmos. Cada qual foi para o seu canto, a Caloi ficou para o irmão mais novo, o Cavalinho de Santa Luzia foi parar num retrato e, quase sessenta anos depois, a boa nova do Natal foi a presidente Dilma Rousseff ter sancionado a Lei 13.058 que determina a guarda compartilhada dos filhos de pais divorciados, ainda que haja desacordo ou conflitos entre o ex-casal. Segundo a lei, na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista o bem estar dos filhos.

Neste dia seguinte, como filho de casal separado compartilho daqui um abraço solidário a todos os que já passaram um Natal sem saber para quem tocam os sinos.