Nas quebradas de Curitiba

Com o passar do tempo, e de geração em geração, a cidade vai perdendo e transformando seus signos. As referências de costumes, linguagens, paisagens, moradias e, o mais lamentável, os referenciais humanos. E que assim seja, com ou sem saudosismos.

Referências que perdem o sentido de uma década para outra são bem percebidas numa cidade como Curitiba, que a cada dia que passa faz o nosso Vampiro da Rua Ubaldino mais se lamentar: “Ai, ai de Curitiba, o seu lugar não será achado daqui a uma hora”.

Em busca da Curitiba perdida, seria ainda Dalton Trevisan uma referência de Curitiba?  Foi, não é mais, perguntem pelo Vampiro de Curitiba num dos bares da moda:

– Conheço, fui apresentado a ele no Halloween do ano passado!

Mesmo se aquele pardal fanhoso de condomínio fechado fosse apresentado ao próprio Dalton Jérson Trevisan, de CPF e RG no bolso, causaria assombro:

– Quem, este é o Vampiro de Curitiba? Sai desse corpo que não é teu!

De espanto, o pardal fanhoso se faria pomba-gira!

Não sintam pena de Dalton Trevisan, sintam pela cidade que perde suas referências. Há muitos e muitos anos, em Paris, deram uma “quebrada” no contista Armando Ribeiro Pinto. Quem ainda sabe o que é uma “quebrada”, outra referência de Curitiba?

Poucos sabem, mas naquela Curitiba de pouca gente nas ruas, ia fulano pela calçada quando sicrano gritava o nome da vítima e se escondia na esquina seguinte. Fulano se virava para ver quem o chamava e não reconhecia nem sicrano nem beltrano que supostamente soubessem o seu nome: “Quebrada”, de quebrar a espinha no movimento brusco de olhar para trás.

Pois bem. Armando Ribeiro Pinto vinha flanando pelo Boulevard Saint-Germain, quando alguém gritou ao longe:
– Armando Ribeiro Pinto de Curitiba!

O escritor morreu e nunca soube quem o “quebrou” numa rua de Paris.

Referência curitibana, hoje se tornou difícil provocar uma “quebrada” na Boca Maldita, onde esse costume gaiato ainda tem entre seus últimos cultores os irmãos Mazza e o escritor Carlos Alberto (Nêgo) Pessôa.

Curitiba foi, não é mais. Se gritarem o nome de Napoleão Bonaparte, bem mais de uma dúzia quebram o pescoço para atender ao chamado. E se clamarem pelo ex-ministro Zé Dirceu, duas dúzias e meia levantam a mão. Coisa de doido.