Não é de hoje

“Estamos perdidos há muito tempo… O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada. Os caracteres corrompidos”.Estas não são frases atuais da seção de cartas dos leitores. É de 1871 esta clássica lavra do escritor português Eça de Queirós, que disse mais: “A prática da vida tem por única direção a conveniência… Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua ação fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte, o país está perdido!”.

Eça de Queirós só não lia as mãos, mas lia tudo o que se passava nos corações e mentes do século XIX. Também jornalista, dirigiu um jornal que fazia oposição ao governo, viajou o mundo na função de repórter e até encontrou tempo para revolucionar a literatura portuguesa, antes de morrer em Paris, em 16 de agosto de 1900.

Fosse nosso contemporâneo, onde estaria ele atuando? Seria editorialista de O Estado de S. Paulo? Ou estaria também na televisão, alternando comentários com Arnaldo Jabor? Se fosse cronista da Tribuna do Paraná, ele escreveria sobre a capa da primeira edição desta Tribuna do Paraná, de 17 de outubro de 1956. No alto da página, a manchete: “Envergonhado, o deputado Molinaro abandonará tarde a política”.

Humberto Molinaro era também major do Exército e foi pivô de um tumulto ocorrido na Câmara. Numa tarde de segunda-feira, Molinaro tentou sacar uma arma para atingir Carlos Lacerda, que ocupava a tribuna. Lacerda foi salvo pela turma do deixa disso e Molinaro não se perdoou pelo acontecido. Envergonhado, pediu o boné e a Tribuna registrou: “Declarou o político paranaense na Câmara Federal que ainda não está familiarizado com a ética parlamentar. Não compreende como os políticos profissionais brigam, discutem e depois se entendem. O deputado renunciou reconhecendo sua bisonhice política” – destacou a edição número um da Tribuna.

Sabe-se lá onde deve estar o major Humberto Molinaro. Talvez esteja trocando ideias com o general Juarez Távora, que naquela mesma época retirou-se do exército “para melhor servir a pátria”.

E sabe-se lá onde anda Eça de Queirós. Talvez o escritor se encontre entrevistando Fernando Collor para um livro de literatura infanto-juvenil.