A importação dos médicos cubanos serviu para o governo brasileiro reafirmar a tese de Voltaire, de que a “arte da medicina consiste em distrair o paciente enquanto a Natureza cuida da doença”. Distraídos com a polêmica, esquecemos que este país nasceu e cresceu com a assistência dos forasteiros.

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Em 1808, como conta o escritor Laurentino Gomes, quando uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história do Brasil, entre 10 mil e 15 pessoas acompanharam D. João VI. O grupo incluía médicos, advogados, comerciantes, juízes, bispos, padres, camareiros, pajens, cozinheiros, cavalariços e até pintores para retratar aquele paraíso tropical. A bordo também vieram os conselheiros reais e militares, pessoas da nobreza, um grupo que hoje podemos comparar à fauna que frequenta os corredores palacianos. Tanto é que D. João, antes de embarcar, teve o cuidado de raspar os cofres do governo.

Depois da família real, milhões de imigrantes desembarcaram no Brasil. E, assim como os médicos cubanos, chegaram sob a sombra do preconceito. É do final do século 19 uma singular explicação para o comportamento arredio do curitibano. O culpado por esse preconceito seria o chefe do serviço de imigração de Paranaguá, um português segregacionista e moralista que despachava os imigrantes conforme os bons costumes da época. Quando os imigrantes desembarcavam dos navios, o sacripanta não carimbava o passaporte sem perguntar: “Profissão?” “Engenheiro!”. “Pode escolher: Joinville, Rio Negro ou Curitiba?”.

O alemão assinalava o destino, o português sinistro carimbava o documento e chamava o seguinte: “Profissão?”. “Gaiteiro!”. “Vai para Blumenau!”.E vinha outro: “Profissão?”. “Professor de matemática!”. “Pode escolher: Joinville, Rio Negro ou Curitiba?”. O seguinte: “Profissão?”. “Cervejeiro!”. “Vai para Blumenau!”.

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Esse era o critério: qualquer profissão de utilidade para o progresso da nação tinha como opção Joinville, Rio Negro ou Curitiba.Os restos, os dejetos, todos eram enviados para Blumenau: cervejeiros, gaiteiros, cantoras, dançarinas, poetas, jornalistas, malandros e as mulheres de vida airosa.

Ainda em 1808, ao decretar a abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional, D. João foi o precursor de Dilma Roussef, que abriu os hospitais para os médicos de Cuba. Assim sendo, estamos abertos também para todas as outras profissões carentes no Brasil: políticos dinamarqueses, psiquiatras argentinos, príncipes ingleses, relojoeiros suíços, toureiros espanhóis, engenheiros alemães, técnicos japoneses, corredores jamaicanos, trabalhadores chineses e espiões americanos.

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