Na poeira do tempo

Em Guarapuava, nesta Páscoa, foi lançado o meu novo livro e, junto com outros convidados, assistimos à magnífica Paixão de Cristo na Praça da Fé. Pela terceira vez, fomos convidados a subir a Serra da Esperança. De tão bem recebidos, podemos nos dizer neoguarapuavanos. Porque em Guarapuava até o vento é generoso.

Na minha primeira subida à Serra da Esperança, junto com o escritor Laurentino Gomes, autografamos livros e respiramos aquele ar puro do Terceiro Planalto. Em dezembro passado, assistimos ao Coral dos Anjos, o espetáculo de Natal que reúne cerca de três mil crianças entoando canções no Parque do Lago. Nessas duas oportunidades, além de conhecer a gastronomia rica da Serra, mais ouvimos do que contamos as histórias. Agora, levamos uma história desconhecida pelos historiadores locais.

Na noite de quinta-feira passada, surpreendido com o microfone da sala de conferências do Hotel Küster, falei rapidamente sobre os melhores defeitos e piores qualidade de Curitiba e, no improviso, li o seguinte trecho do livro onde Curitiba e Guarapuava guardam uma ausência em comum: o mar!

“No mês de maio do ano de 1847, o médico Jean-Maurice Faivre e seus seguidores franceses botaram os pés pela primeira vez nas terras onde iriam erguer a Colônia Thereza, berço do socialismo utópico à beira do Rio Ivaí, em Guarapuava, no Terceiro Planalto.

Nascido na França, no Brasil Imperial Faivre foi o fundador da Academia Nacional de Medicina. Nome de rua em Curitiba, Doutor Faivre queria criar sua própria pasárgada, uma nova sociedade, longe do insensato mundo, com um sistema econômico e social baseado na solidariedade comunitária, desapegada dos bens materiais. Amigo pessoal de D. Pedro II e da Imperatriz Thereza Christina, o doutor não era filiado às doutrinas socialistas da época. Sonhava realizar com suas próprias idéias um mundo novo: eliminou na Colônia Agrícola Thereza Cristina a noção de lucro, colocando em primeiro plano o respeito pela família e a religião.

Cravada nas bordas da Serra da Esperança, onde hoje se encontra Prudentópolis, Doutor Faivre acentuava que a Colônia Thereza tinha como dois grandes trunfos a magnífica posição geográfica e o fim com que foi instalada (…) Em razão disso Jean-Maurice Faivre se manteve, conforme ele mesmo deixou escrito, “afastado do mar, onde a ganância tem acarretado tantos desastres e sofrimentos inúteis”. Afastada do mar, esse é um dos melhores defeitos e uma das piores qualidades de Curitiba. Pena que, ainda assim, a cidade não ficou livre dos sete pecados capitais. Principalmente a ganância. Esses pecados têm acarretado desastres e sofrimentos inúteis, bem além da Serra da Esperança”.

Em seguida, contei aos presentes uma história que nos foi revelada pelo escritor e crítico Wilson Martins num dos seus tradicionais almoços de sábado, quando fomos convidados.

Redator de um jornal de Ponta Grossa, coube ao autor da “História da Inteligência Brasileira” entrevistar um ilustre brasileiro que passava pela cidade: o escritor Monteiro Lobato.

Nem bem sentados, Wilson Martins não perguntou, foi perguntado:

– Você conhece o Brasil?

O jovem Wilson Martins respondeu que não. Então o dono do Sítio do Pica-pau Amarelo respondeu:

– Este é o Brasil: oito meses de poeira, quatro meses de lama!

Filho de “Um Brasil Diferente”, Wilson Martins sabia do que se tratava: Monteiro Lobato acabara de subir e descer a Serra da Esperança onde, proveniente de São Paulo, fora constatar em Guarapuava a existência de possíveis minas de minerais raros, águas sulfurosas e, principalmente, petróleo.

Guarapuava, que é mais antiga que o próprio Paraná, ainda não sabia da passagem de Monteiro Lobato pelo Terceiro Planalto. Não fosse Wilson Martins, as pegadas do escritor teriam se perdido na poeira do tempo.

Quando terminamos o almoço com Anne e Wilson Martins, naquele sábado, não resisti a uma última pergunta:

– Mestre, quem o senhor não conhece?