Em Itajaí (SC), 89% do território foi alagado, na maior enchente de sua história. Em Antonina (PR), a população está mergulhando na pobreza, no maior abandono. No litoral de Santa Catarina, como sempre, a tragédia vem da própria bela natureza. No litoral do Paraná, como sempre, a desgraça vem do governo.

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A natureza é uma esposa amante, quando bem tratada. Quando maltratada, torna-se uma sogra vingativa. Na sua origem, a inclemência climática em Santa Catarina é uma tragédia repetente, com poucas novidades: desmatamento, construções em áreas de riscos, ausência de contenções nas encostas e, por conseqüência, os rios entupidos de misérias humanas. Há décadas, as reportagens são quase as mesmas e as imagens se parecem. A única novidade desse encontro marcado com a calamidade é que nunca, na história, as enchentes foram tão fotografadas pelas próprias vítimas, graças às maravilhas da tecnologia. Quase em tempo real, filmes e fotografias digitais inundam os informativos da internet. Casas deslizam barranco abaixo e, incrível, os efeitos especiais não são magias de Steve Jobs no estúdio Pixar. Se os telefones celulares fotografassem apenas em preto e branco, diríamos que o desastre está sendo registrado pelo fotógrafo Sebastião Salgado.

Dedicado a retratar a vida das criaturas excluídas, Sebastião Salgado precisa conhecer Antonina antes que acabe. Afora os recantos naturais e arquitetônicos, em Antonina o grande fotógrafo não vai encontrar o povo em prantos e sem um teto de bom abrigo. Não isso, quase isso.

Igual a Santa Catarina, a tragédia de Antonina é cíclica, repetente. Por exemplo, leia o texto a seguir e tente adivinhar o ano em que foi escrito.

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“Wilson Galvão do Rio Appa, um dos mais conhecidos teatrólogos do Paraná, defensor entusiástico de nosso litoral, abandonou por alguns dias as preocupações artísticas para, ao lado de quatro capelistas, redigir um longo relatório encaminhado ao governo. Motivo: uma última tentativa de salvar Antonina de se transformar, em definitivo, numa cidade fantasma. Após ter sido notícia nacional quando focalizada em recente audição do programa Fantástico, a centenária cidade esperava que as autoridades se interessassem pelo seu destino. Mas qual o quê! Em decadência desde 1962, o governo pouco está interessado na movimentação daquele porto. Considerada “a Parati do Paraná”, com seu casario colonial, ruas tranqüilas e bucólico clima de cidade que parou no tempo e no espaço, Antonina tem um grupo de fiéis entusiastas que defende a sua manutenção como cidade de repouso, livre da poluição do progresso. Entretanto, em termos econômicos a situação é bem séria. A cidade está empobrecida: os empregos são raros, o comércio está às moscas, há meses não se constrói nenhuma casa e o esvaziamento da cidade está em escalada, com sua população, principalmente os jovens, deixando a terrinha em busca de melhores perspectivas em Curitiba. Muito já se escreveu e discutiu em torno deste velho tema. Mas agora condenaram à morte essa cidade de tantas estórias na história do Paraná.”

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O texto acima é do jornalista Aramis Millarch e foi publicado na edição de 22 de março de 1975, na coluna Tablóide deste O Estado Paraná. Deste mesmo jornal, ontem o colunista político Fábio Campana transcreveu em seu blog o seguinte pedido de socorro de um leitor:

“O mais grave está acontecendo no porto de Antonina. Desmancharam todos os armazéns do porto público.
A Ponta do Félix já demitiu 50% dos funcionários. E o nosso governador, por pura teimosia, não libera a operação de carga geral. A cidade de Antonina iniciou um processo de empobrecimento e ninguém faz nada. Chamamos a atenção de todos deputados que dizem ter grande apreço por Antonina. Ajudem a salvar Antonina”.

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Aramis Millarch (1943/1992) e Fábio Campana não registram novidade nenhuma, praticamente. São duas crônicas da morte anunciada. A única diferença é que agora temos o nome do carrasco.