Monstros da bicicleta

É preciso reconhecer que hoje a bicicleta é a queridinha de Curitiba. Mas já foram monstros. Bem antes da Loura Fantasma e outras almas penadas, no breu da cidade até os valentes se borravam com o lobisomem que andava de bicicleta. Eram tempos do boitatá, quando bastava uma pedra deslizar pela ribanceira, um fruto maduro cair no regato iluminado pela lua cheia, um grito perdido, qualquer coisa e mais um pouco para fazer os meninos passarinheiros se esconderem embaixo da cama.

Tudo começou no Bar e Armazém do Candinho, no Bigorrilho. Numa sexta-feira, entre taças de vinho de Campo Largo e histórias de fantasmas, um tal de Manequinho narrou seu encontro com um lobisomem: “Foi numa sexta-feira, o relógio da Santa Casa batia meia-noite. Como estava escuro, tratei logo de acender o candeeiro da lanterna que trazia. Segurei-a numa mão e com a outra apertei o rosário e taquei o pé na estrada. Foi no chegar perto da chácara do Carmelo que o fato aconteceu! Soprava um vento frio e fino, a lua se escondia por trás do mato quando o lobisomem apareceu. Parei arrepiado e fiquei sem poder fugir, porque as pernas tremiam. O bruto chegou na porteira e passou por ela sem precisar abrir. Quis fazer o sinal da cruz e rezar o credo, mas não pude. Vi bem que era ele, com os olhos a sair faíscas, os dentes vermelhos em brasa, as orelhas grandes e peludas como as de um burro. Tinha a língua pregada e os cabelos estavam em pé. De repente, desceu pela barroca e desapareceu”.

Naquela sexta-feira no Armazém do Candinho, os destemidos do Bigorrilho resolveram que o lobisomem seria apanhado. Da turma, só não estava mesmo o Carmelo. Manequinho foi para casa buscar o laço. Na volta, até meia-noite ele bebeu muita cachaça. Os polacos beberam muita vodka e os italianos muito vinho. Foi uma farra de valentes: “Vou dar tanto nesse lobisomem que ele vai virar polenta!”. Na escuridão, Manequinho dirigia a expedição de caça. Estavam acomodados no matagal quando ouviram a palavra de ordem: “Olhem!”. Pela estrada, em zigue-zague, vinha uma luz e um estranho gemido compassado se juntava ao tilintar de uma campainha. “Agora!”. O que se ouviu foi um baque surdo. Gritos, socos, pontapés, pragas, vidros quebrados, luz apagada, latas e arames torcidos.

Quando clareou o dia, foi encontrada uma bicicleta quebrada, pedaços de roupas e sinais de luta. O delegado levou os valentes para a cadeia, com o Manequinho na frente. Indignado, envolto em ataduras e esparadrapos, Carmelo esbravejava: “Porca miséria! Eu vinha gemendo a pedalar na subida, quando esses brutas béstias caíram em cima de mim, pensando que eu era o monstro!”.

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Parece que a chácara do Carmelo se situava na Avenida Sete de Setembro. Justamente onde a nova faixa de ciclistas, compartilhada com motoristas, vem apavorando uns e outros.