Monarcas das Coxilhas

Um interessante fenômeno migratório acorre no teatro paranaense. Entre as décadas de 1960 e 1980, a classe teatral tinha Antonina como paraíso, serra abaixo. Na virada do século, nossos artistas debandaram. Agora os
astros contracenam com a paisagem dos Campos Gerais, serra acima.

Fauna inquieta, hoje é mais fácil encontrar a classe teatral tomando mate em São Luiz do Purunã do que cerveja no Bar Palácio, antes o poleiro noturno dessas aves de arribação. O novo destino denota sensibilidade, porque os paradeiros do segundo planalto são dos mais belos do Brasil. Quem puxou o êxodo serra acima foi o casal Regina Bastos, atriz, e Beto Bruel, premiado iluminador de nome nacional. Herdeiro de nascentes do Rio Tamanduá e descendente de povoadores franceses, Bruel tem aprazível herdade em São Luiz do Purunã. Pelo caminho de Campo Largo seguiu ainda o casal Fátima Ortiz e Enéas Lour: autores e diretores teatrais, ergueram um condomínio (“Dacha”, preferem os visitantes) com a generosa família Bruel.

A 40 quilômetros de Curitiba, também entrou em cena o consagrado ator e diretor Luis Mello: empreendedor visionário, o astro da Rede Globo implantou com recursos próprios o Campo das Artes, conceito de oficinas com residências artísticas em São Luiz do Purunã.

Cabeças coroadas do teatro paranaense, estes são os modernos “Monarcas das Coxilhas”, honroso tratamento que o escritor Salvador José Correia Coelho consagrou aos serranos dos Campos Gerais dedicados ao costeio da criação no campo, fazendo o serviço a cavalo. Correia Coelho, advogado do Largo de São Francisco (SP) formado na década de 1840, foi o primeiro a publicar um livro no Paraná, segundo Andrade Muricy.

Em 1860, publicou em São Paulo o livro Passeio à minha terra, impressões sentimentais de sua viagem em 1844 da capital paulista à Lapa, onde nasceu em 1825.

O “Monarca da Coxilha” -descreve o precursor das letras no Paraná “traz na cabeça um chapeuzinho de copa rasa e abas um tanto largas, que prende-se ao rosto por uma barbela de trancelim de seda ou algodão tintos; põe-no à banda e não usa de gravata; por cima da camisa traz o poncho listrado e fimbrado, a que dá o nome de ‘pala’, feito de lã, à cintura a ‘guaiaca’, sorte de ornato que tem o duplo fim de servir-lhe de bolsa e de cinta: esta peça de couro garroteada e ornada de bordados flóreos de retrós de cores, na face ostentável é presa por dois broches, ordinariamente duas moedas de ouro, prata ou metal branco, conforme os teres do indivíduo; calças muito largas com feição de ceroulas; botas de couro cru, de ordinário umas perneiras; esporas de enormes rosetas com largas presilhas ou correntes, que quase que sempre impedem o andar do proprietário, chamam-nas ‘chilenas’ – e são tão grandes que não permitem na marcha conservar os pés na posição natural, força é pois mover-se nas pontas deles tardamente com a preguiça ou a tartaruga na terra. Na parte anterior do corpo sobre o abdômen permanece a faca de ponta, aparelhada de prata; o chicote pende, por uma presilha no braço esquerdo do cavalheiro, que estriba na ponta dos pés e segura a brida com a destra: traz à cinta uma ou duas garruchas e às
vezes espada e alguns dos seus chicotes têm um punhal oculto no cabo”.

“Seu falar é cheio de interjeições; usa hipérboles atrevidas e arriscadas e de bravatas espanholas; no discurso pronuncia palavras em voz baixa e sem haver transição pronuncia outras alternando-as, como que por arrancos; sempre exprime os diminutivos com a desinência em ‘ito’.”

A classe teatral mudou de paraíso: antes donatários de Antonina, agora são “Monarcas das Coxilhas”: Enéas Lour, “Duque de Serra Acima”; Luis Mello del Purunã, o “Príncipe do Renascimento dos Campos Gerais”, e quem avistar um vivente cheio de interjeições, ostentando uma guaiaca ornada de bordados flóreos de retrós de cores, presa por dois broches… é o próprio Beto Bruel, o “Barão de Tamanduá”.