Meu Brasil brasileiro

Porque hoje é sexta-feira, dia de preparar o espírito para os pecados da gula do fim de semana, me veio às mãos um livreto das catacumbas da cozinha. Edição de 1920, “O Cozinheiro Brasileiro” é um receituário, ou cartilha, que se propõe a civilizar a mesa tupiniquim, e “de grande auxílio às cozinhas familiares, pensões e hotéis”.

Para situar o O Cozinheiro Brasileiro no tempo, em 1920 entrou em vigor o Tratado de Versalhes, para solucionar os problemas surgidos na Primeira Guerra Mundial, e nasceram as seguintes celebridades: João Paulo II; Anselmo Duarte; João Cabral de Melo Neto; Clarice Lispector, Celso Furtado e Carlos Scliar.

Lendo o O Cozinheiro Brasileiro, o sociólogo Gilberto Freyre (1900/1987), portanto com 20 aninhos, teria dito:

– Nem só de feijoada vive o homem!

Então, o autor de Casa Grande & Senzala folhearia as receitas com água na boca, duvidando das boas intenções do autor, um anônimo que se dizia apenas “Um velho mestre da cozinha”.

– Que cozinha? Só se for a da Embaixada da França, porque a de Apicucos é que não é!

De fato. Senão, vejamos as sugestões do chef para o dia a dia do brasileiro.

Segunda-feira, no almoço: “Ovos mexidos com ponta de aspargo”; “Lagosta ao natural”; “Rim guisado com batatas”, “Mão de carneiro Guisada”; e Costelletas de vitela pannadas”. No jantar: “Sopa à franceza”; “Bolos de Bacalhau”; Pargo à pescadora”, “Pudim de pão”; e “Cocada branca”.

Terça-feira, no almoço: “Linguado à hollandeza”; “Orelhas de porco à napolitana”; “Bife à ingleza”. No jantar: “Sopa de puré de feijão branco”; “Filetes de linguado à maitre d’otel”; “Peito de carneiro estufado”; “Coelho à franceza”; “Perdiz com couve lombarda”; “Creme e suspiro”.

Quarta-feira, no almoço: “Pastelinhos de ostras”; “Pargo cozido com molho de manteiga”; “Coelho albardado”; “Ovos verdes”. “Pombinhos de fricandó”. No jantar: “Sopa fervida de pão à portugueza”; “Pastelinhos de pescada”; “Pato assado com molho”; “Bom bocado de queijo”.

Quinta-feira, no almoço: “Torta de peixe”; “Coelho à hespanhola”; “Ervilhas à jardineira”; “Rolas assadas na grelha”. No jantar: “Coelho de fricassé para entrada”; “Linguados recheados ou gratin”; “Pés de porco pannados”; “Manjar branco”.

Sexta-feira, no almoço: “Bacalhau à salamanquina”; “Arroz à valenciana”; “Fígado de vaca à americana”; “Língua de vaca”. No jantar: “Sopa de camarão”; “Costelletas à la Soubise”; “Savel assado”; “Pudim de arroz”.

Sábado, no almoço: “Pastéis de bacalhau”; “Linguado ou gratin”; “Cabrito guisado”; “Codornizes com arroz”; “Roast-beef”. No jantar: “Sopa de camarão à veneziana”; “Pregado com molho à holandeza”; “Pastéis de frango à dinamarqueza”; “Mayonese de lagosta à gellée”; “Couve tronxuda guisada”; “Lombo de porco assado”; “Doce de leite”.

Domingo, no almoço: “Filet de pescada”; “Arroz de mexilão”; “Vitella de fricassé”; “Pombos com ervilha”. No jantar: “Torta de camarão”; “Vitrella enrolada”; “Capão assado à milaneza”; “Couve flor à italiana”; “Lombo de vaca à viziense”; “Bons bocados”; “Ovos queimados”.

***

Quando acabou de passar  em revista o cardápio da semana de O Cozinheiro Brasileiro, Gilberto Freyre teria sofrido uma “congestão cerebral” . E, depois de curado com uma feijoada completa, pernambucano teria deitado na rede para começar a escrever Casa Grande &a,mp; Senzala.