Mesa do terror

“Todo mundo deve ter algum trauma gastronômico de infância. Eu acho que nunca superei os meus”, confessa a jornalista curitibana Márcia Luz, cronista gastronômica de mão cheia, para usar um termo apropriado ao forno e fogão. Com a inspiração da Márcia, o que você nunca conseguiu engolir? Além, é claro, dos sapos cotidianos?

Filha da jornalista e professora universitária Elizabeth Luz, Márcia colabora na edição anual da Veja Curitiba e, além de outros trabalhos na área, esbanja talento no site www.comensais.com.br. Além do texto saboroso (como deve ser), é inventiva ao olhar a mesa. Aqui no Paraná, só conheci um cronista igual: mestre Sérgio Mercer, quando nos fazia sonhar pelo estômago com o nome de Barão de Tibagi.

Com o título de “Comidas traumáticas”, Márcia Luz sabe o que quer e, sobretudo, tem coragem de revelar o que não quer: “Até hoje implico ferozmente com certas coisas, algumas delas muito apreciadas por praticamente todas as pessoas. Isso às vezes me torna um tanto impopular. Por exemplo, azeitonas. Todo mundo adora azeitonas, eu odeio. Quanto maior, pior. Se for daquelas pretas, então, argh! Não é que eu não curta sabores diferentes, ao contrário, quanto mais exótica a comida mais eu tenho vontade de experimentar. Mas é que para algumas coisas meu paladar permanece infantil”.

Não gostar de azeitonas pode parecer um pecado mortal para os gulosos, mas compreendo a ojeriza da menina Márcia, porque tive a mesma sensação de “argh!” ao ser apresentado ao tomate seco com rúcula, coisa que me parece invenção de restaurante de hotel. É a “maldição da bolinha verde”, segundo a cronista: “Entre as maiores crueldades que já se cometeu contra a felicidade infantil está a criação da cereja falsa. Quem nunca estendeu os dedinhos para aquela tentadora esfera vermelha em cima da torta e descobriu que não se tratava de uma cereja de verdade? Feitas de gelatina, borracha ou sei lá o que, têm gosto de qualquer coisa, menos de cereja. Mas o pior, o pior mesmo, são as malditas bolinhas verdes que, tenho quase certeza, são feitas de doce de mamão verde. Eu era louca por cerejas em calda e, um belo dia, numa festinha, deparei-me com uma cereja verde em cima de um doce. Pensei: ‘Uau, existe cereja verde, como acontece com as uvas!’ E nhac! O gosto era tão horrível, amargo, enjoativo, que abri o berreiro. Até hoje tenho vontade de bater em quem diz que gosta de doce de mamão verde. Aliás, lembrei, o empenho em iludir pobres criancinhas gerou algo ainda mais aterrador: o brigadeiro falso!!!!”

Tenho a dizer a Márcia que, à mesa, só consegui superar um dos meus traumas de infância com a ajuda das histórias em quadrinhos. Quando bem menino, minha mãe me apresentou ao agrião. Aquele azedo foi um trauma, pois em mesa de italianos nada pode restar no prato feito. Vendo que não conseguia me curar daquela sensação de “argh!”, mama nos deu uma aula sobre os hábitos alimentares dos super-heróis:

– Super-Homem é assim forte porque come agrião. E sabem por que ele é um homem de ferro? Porque o agrião tem ferro!

Hoje um dos meus pratos prediletos é o filé ao óleo e alho, com agrião! Sem agrião, não é a mesma coisa. Com o mesmo argumento, minha mãe só não conseguiu me curar do trauma do espinafre:

– Com uma latinha de espinafre o Popeye fica tão forte quanto o Super-Homem!

O Brutos aqui nunca conseguiu encarar o espinafre, tanto quanto, agora adulto, qualquer peixe (ou carne) com creme de leite. Argh!

E por falar em peixe, Márcia Luz é uma crítica surpreendente: “Bacalhau. Pronto, falei. Bacalhau é um dos maiores mistérios da humanidade. Como tanta gente pode ser tão fissurada e gastar tanto dinheiro com um peixe que tem textura de pano?”.

Para arrematar, a franca cronista afirma que orégano tem gosto de tédio, coentro tem gosto de pneu de caminhão. E para você, o que tem gosto de pneu de caminhão?