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O escritor Cristovão Tezza, depois de ganhar todas em 2008 com o romance O filho eterno, inclusive os prêmios Jabuti e Portugal Telecom, vai ganhar também do governo catarinense a Medalha do Mérito Cultural Cruz e Sousa. Nascido em Lages (SC), Tezza teve seu nome indicado antes da premiação nacional. Enquanto isso…

No Paraná, o governador viajou para marcar presença numa exposição no Japão, com uma escala das arábias, e na Assembléia Legislativa os deputados discutem o cardápio da festa de Ano Novo de 2010.

Cristóvão Tezza, paranaense por opção, não deve estar carente de uma solenidade palaciana, com direito a discursos e uma frase de efeito deste calibre: “Cristóvão Tezza, filho eterno do Paraná!” .

Nem mesmo deseja ser coroado príncipe dos prosadores numa ilha do Passeio Público, para se igualar em feitos ao poeta Perneta. Ou ainda posar para o escultor que obrou a estátua de João Paulo II no Bosque do Papa.

Quando homenageada, e era uma enormidade, Helena Kolody reclamava com os mais próximos que, a cada compromisso forçoso, ficava mais pobre. Mal sabiam os “bem-intencionados” que Helena Kolody não tinha dinheiro sobrando para investir no guarda-roupa. Uma crueldade, muitas vezes nem mesmo o táxi pagavam para a poetisa.

A Medalha do Mérito Cultural Cruz e Sousa não vai acrescentar muito à admiração que guardamos do artista. É o carinho da oportunidade, mesmo sendo indicado à honraria antes da premiação. Se bem que, aos escritores, bom seria receber os afagos nas horas difíceis. Que são tantas.

Bem por isso causa um ligeiro constrangimento a notícia de que o escritor é festejado abaixo de Garuva e acima do Rio Atuba, enquanto aqui no Centro Cívico nossos ilustres, para usar uma expressão da moda, fazem cara de paisagem.

E bem por isso, ainda, não venceu o prazo de validade da teoria da autofagia de Paulo Leminski: “Cortada das origens européias, distante geograficamente do Brasil índio-afro-luso mais ao norte, à Curitiba classe média tem restado o papel de aplaudir músicos baianos. Ler contistas/romancistas mineiros. Assistir a filmes americanos ou italianos. Admirar artistas plásticos paulistas e cariocas. E, naturalmente, consumir televisão do Eixo Rio-São Paulo”.

Aqui da minha janela no centro da cidade, com vista para um edifício espelhado prenhe de executivos do Eixo Rio-São Paulo, presto homenagem ao conterrâneo Cristóvão Tezza lembrando do artista quando jovem, pendurado na cruz da Paixão de Cristo encenada por Rio Appa.

Na década de setenta, nosso grupo de teatro descia a serra especialmente para assistir à Paixão, segundo Appa, em Alexandra, aqui no litoral do Paraná. Cabelos longos, barba rala, branco feito banana de Morretes, no calvário não víamos o escritor, que ainda não tinha revelado esse talento, aplaudíamos o ator Cristóvão Tezza e a trupe de Rio Appa.

Também escritor e teatrólogo, o carismático Wilson Galvão do Rio Appa morou alguns anos na Ilha das Cobras, na Baía de Paranaguá, hoje endereço de verão do governador do Paraná. Desse exílio do guru numa ilha deserta, o escritor Jamil Snege fazia uma ficção hilária. Certo dia, contava Jamil, Appa convocou a imprensa para ver in loco como era a vida de um exilado da civilização, aquele pobre franciscano se alimentando do mar e da terra, sem nem mesmo gelo para o uísque no final da tarde.

Com os jornalistas bem longe, na calada da noite (pó-pó-pó-pó-pó) o barquinho do marinheiro de Rio Appa apoitava na Ilha das Cobras com as provisões do mês. Gelo e uísque, inclusive.

Wilson Bueno lembra, Jamil Snege não poupava nem os amigos.

Cristóvão Tezza não conheceu o exílio de Rio Appa. Conhece o exílio de Curitiba, como revelou em entrevista à Folha de S. Paulo: “Curitiba é um exílio. A literatura pula de São Paulo para Porto Alegre. A solidão do Dalton Trevisan, aquela coisa meio caipira, é um retrato da cidade. Ela é magnífica para escrever, te dá distância. Mas você pena enquanto não entra no eixo Rio de Janeiro-São Paulo”.