Meditar é preciso

Segunda-feira amanheceu convidativa ao recolhimento. Primeiro o cinza e o frio que convenciam os ossos a não sair da cama. Depois, para reforçar convite, o rádio nos contava do desastre aéreo que mergulhou 228 criaturas no Atlântico. Sobre recolhimento e meditação, com um certo desalento, é só o que temos hoje a pensar.

Ex-seminarista, portanto conhecedor do que é sagrado, o escritor Deonísio da Silva concedeu ao portal IG uma entrevista que também nos convida à meditação, numa manhã fria e triste de segunda-feira. Ao jornalista Luciano Trigo, disse Deonísio: “A principal carência do mundo hoje é de recolhimento, de meditação. Igrejas e templos foram transformados em outra coisa, em silos, depósitos. Onde você busca a transcendência? Nos templos e igrejas? Muito raro que lá você sinta isso. No cinema e no teatro, na leitura, nos museus. Mas nas igrejas? Acho que não”.

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Gerson Borges (músico e compositor, pastor da Comunidade de Jesus de São Bernardo do Campo), depois de bem meditar, acrescentou o que segue às palavras do escritor:

– Que fim levou o sagrado? Onde foi parar a transcendência? Se isso é fato no ambiente católico, o que dizer dos nossos encontros evangélicos movidos a adrenalina (pseudo) religiosa pura? Não cabe silêncio, nem cânticos de lamento (metade dos Salmos) ou confissão de pecado depois de um sermão ou desafio. Não se preocupa mais com o conteúdo litúrgico (que quer dizer apenas “o que fazer e cantar durante o culto”), mas com a necessidade de agradar ao “consumidor cristão”… aliás, esse é o nome de uma revista dirigida ao mercado gospel, a gente que, como eu preciso admitir produz música para as igrejas e circula por elas cantando, falando, etc. Hipocrisias descartadas. Já que estou no meio dessa canjica, fui à ultima edição da Expo Cristã dirigir um tempo de louvor no lançamento de uma nova Bíblia. Depois desse evento importante, dei uma circulada na feira e confesso que saí meio tonto, vesgo, enjoado, triste e… cansado de tanto lixo (literalmente, no chão). Não foi exatamente o excesso de informação, mas de deformação que me deixou nauseado: livros de auto-ajuda travestidos de vida cristã, quinquilharias gospel de todo tipo e espécie, desde adesivos para o pára-brisa do carro (Se é crente, buzine!) até bugigangas mais exóticas como … ah, deixa para lá! A Bienal no Livro, semanas antes, foi bem mais edificante! Havia mais transcendência por lá!

Creio que é a minha ingenuidade morena que me decepciona! Se é raro e árdua tarefa achar silêncios convidativos nos templos, sermões que me sejam mais que a) promoção/contabilização de culpa (falsa e verdadeira), b) sociologização/psicologização rasa das Escrituras, o que eu poderia esperar de uma feira para “o consumidor cristão”? (…) O que chamamos de arte cristã, em geral, é mera ferramenta de autopromoção e marketing pessoal.

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Por ter nascido em Nova Trento, terra de Santa Paulina, conheci uma das vítimas do acidente com Airbus da Air France. Das três vítimas italianas, Rino Zandonai (diretor da Associazione Trentini nel Mondo) era amigo de minha mãe, Cremilda Tridapalli, e quase um “brasiliano” de tanto atravessar o Atlântico para ajudar os descendentes trentinos do Brasil Meridional. Junto com ele, Giovanni Batista Lenzi (deputado) e Luigi Zortea (prefeito de Canal San Bovo) passaram por Curitiba, para depois participar com 20 mil euros na implantação de um Centro de Atenção Psicossocial Infantil às vítimas das enchentes em Santa Catarina.

Rino Zandonai vai fazer falta no Norte da Itália. Ainda mais agora, quando uma comitiva de neotrentinos viaja a Trento nos próximos dias, com o objetivo de trazer músicos trentinos para o 1.º Festival de Música Sacra de Nova Trento.

Deonísio da Silva e Gerson Borges: uma sinfônica no imenso Santuário de Madre Paulina, para recolhimento e meditação, chega numa santa hora.