Me enrola que eu gosto que me enrosco

Na era vitoriana (entre 1837 e 1901), quando abundavam as mais incríveis fantasias a respeito dos mares, uma delas dizia que há zonas no fundo do mar além das quais os objetos não afundam. Um navio de ferro que fosse a pique, por exemplo, afundaria até atingir o nível em que a água tivesse viscosidade que o impedisse de ir além. Como se acreditava na teoria de que, como a densidade da água aumenta com a pressão (na verdade a água é praticamente incompressível), o navio permaneceria ali, suspenso na água por toda a eternidade.

Acreditavam os contemporâneos da Rainha Vitória que baldes cheios de prego desceriam mais fundo do que uma canoa furada. Cavalos ficariam abaixo de sapos. Cadáveres de pessoas desceriam até um nível determinado por sua obesidade. Numa faixa o gado perdido, em outros estágios, móveis velhos, rebocadores oceânicos naufragados, revólveres desovados, trens descarrilhados, animais de estimação indesejados, bandidos executados, piratas decapitados lá no fundo e quase na superfície as criancinhas afogadas. O peso dos pecados e da consciência, diziam os mais piedosos, forçaria os menos virtuosos a descer mais que os justos.

O Brasil encalhou na era vitoriana. Na vastidão dos mares do sul, nossas mixórdias políticas, afundadas e depositadas em camadas relacionadas com o peso do poder, têm como sina pairar eternamente na superfície desse mar de lama.

Livre, leve e solto, o aparelho petista encalacrado no governo federal é um fenômeno da física. Não cai pra baixo, cai pra cima. Vai ficar uma eternidade flutuando no poder. Exemplo da certeza da impunidade são os capangas de gabinete que através dos computadores do Palácio do Planalto incluíram trechos mentirosos e aviltantes nos perfis dos jornalistas Míriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, na Wikipédia.

Para a presidente Dilma, a difamação via internet “é absolutamente inadmissível por parte do Planalto e do Governo Federal ou por parte de qualquer governo. Nesse caso específico, é algo que se alguém quiser fazer individualmente que faça. Mas não coloque o governo no meio”.

O Brasil precisa instituir o Dia da Hipocrisia. Num país de maioria católica, seria um feriado nacional em homenagem à nossa santa do pau oco: a Santa Hipocrisia, padroeira da era petista.

Mentira e hipocrisia são vizinhas. O hipócrita é aquele que finge o que não tem: virtudes e sentimentos. Hipocrisia deriva do latim “hypocrisis significa representar ou fingir. A mentira tem como consequência a hipocrisia e a atitude clássica do hipócrita é denunciar alguém por cometer algum pecado, enquanto comete justamente a mesma heresia. Trocando em miúdos, é o roto denunciando o esfarrapado.

O francês François de la Rochefoucauld tem uma oração de cabeceira dos devotos da santa do pau oco: “A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”.