Mãos ao alto, quero ver tevê!

O único trecho em pista única entre Curitiba e São Paulo, a Serra do Cafezal não é somente uma vergonha nacional: é uma arapuca para quem trafega na BR-116. Jornalista, roteirista e diretor de televisão, Kiko Gemael faz o trajeto semanalmente no seu vai e vem a trabalho. Das cenas de cinema que viu no trecho, na semana passada presenciou um assalto que merece um documentário, tal a frequência com que o arrastão impunemente se repete. Eis o relato de Gemael:

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BR-116, km 342, trecho São Paulo/Curitiba, ainda na grande São Paulo. Faltam dois quilômetros para o posto da Polícia Rodoviária Federal. É o começo da Serra do Cafezal. E começo do desrespeito; as duas pistas viram uma só e na beira do funil a fila é inevitável. Já estive no fim da fila, 30 km antes. Mas o acontecimento de ontem, terça-feira (15/01), 18 horas, foi ali, pertinho da polícia. Na fila.

De repente, o aviso do caminhoneiro ao lado, que via tudo de cima: “Fecha tudo que á arrastão, tem uns 15!”. E lá vem uma tropa de 15 meninos, meninas e homens… Dois estão encapuzados. E armados. Param num caminhão, arrebentam o lacre com pé de cabra, abrem o baú e começam a retirar caixas. Duas ou três na cabeça de cada um dos 15. Eles atravessam a rodovia, jogam as caixas e voltam pegar mais. Outra tropa leva as caixas para o mato. Eram televisões.

“Reagir? Ninguém, ficamos assistindo como se fosse filme. Tentei fotografar, mas uma das armas estava mais ou menos na minha direção, fiquei com medo. A fila andou, só o caminhão roubado ficou parado: o motorista estava no rádio, branco. Paramos mais adiante, ainda antes da polícia – sim, o trecho de 20 km de serra leva uma hora e meia pra ser percorrido: para, anda um pouquinho. Desci e entrei na roda dos caminhoneiros, um deles contou 48 caixas: “E me perdi, foi bem mais”.

Isso acontece todo dia, sem exagero. É diário, já vi vários roubos e assaltos na fila, o Brasil parado. A única coisa que se move é o desrespeito, que avança acima da velocidade permitida. Todo dia. Outro comentário na rodinha: “agora eles vão dividir o que roubaram!”.

Adivinhe com quem?

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 Nesta terça-feira (22) Kiko Gemael voltou de São Paulo pela BR-116. Das 22h às 3h30, dos cinco postos da Policia Rodoviária Federal quatro estavam às escuras, como se não tivesse ninguém em casa. Kiko lembrou da matança da Grande São Paulo, há dois meses, quando morriam de dez a quinze pessoas por noite e o solerte governo prometeu armar barreiras nas estradas para impedir a entrada de armas na cidade. “Na velha BR-116 as porteiras estão abertas, escancaradas pra incompetência de todos os governos, do PT, do PSDB, do raio que o parta. É o Brasil oficial,  parado, onde só o paralelo funciona”, constata Kiko Gemael, na obrigação de enfrentar os 20 km de sempre da Serra do Cafezal.