Na semana passada, o presidente Lula sobrevoou de helicóptero o tormento de Santa Catarina. Na mesma comitiva de autoridades federais e estaduais, mas num outro aparelho, o deputado estadual Rogério Mendonça (meu irmão) testemunhou a emoção do presidente depois do desembarque. O momento era de lágrimas.

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Estarrecido, o presidente nordestino não chegou a ser socorrido com um lenço, ao contrário de outras autoridades. Contido pela certa frieza que o cargo exige, e já acostumado com os infortúnios da terra natal, mesmo assim Luiz Inácio Lula da Silva não deixava de transparecer a forte impressão de ter visto de cima a ante-sala do inferno.

O presidente (segundo disse aos acompanhantes) nunca presenciou sinistro de tal natureza. Se no nordeste Lula vivenciou a seca, no Vale do Itajaí ele conferiu a violência da água e a fúria da Terra.

Seguramente, o sul do Brasil jamais viu tragédia igual. Assim como tantos outros filhos daquela terra, meu irmão também nunca viu nada parecido na região. Agrônomo, ex-prefeito de Ituporanga (no Alto Vale do Itajaí), ex-presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), deputado pela terceira vez e agora primeiro-secretário da Assembléia Legislativa, Rogério “Peninha” Mendonça (PMDB) avistou do helicóptero uma paisagem que deixou o presidente igualmente assombrado: a terra rachou e deslizou inclusive nas florestas primárias, nas matas aparentemente virgens, e em áreas de proteção ambiental. Morros derreteram, literalmente. O que deixa evidente que a tragédia não ficou restrita às áreas urbanas ou rurais densamente povoadas.

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“O buraco é mais embaixo”, diria um técnico ao curioso.

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No parecer de um geólogo que conhece profundamente a constituição do solo de Santa Catarina, a região dos vales é um “depósito de talos”. O que seria mais ou menos assim: a superfície é sustentada por uma camada de “lixo geológico”, maciços de pedras que rolaram e matérias orgânicas que ficaram suspensas. Digamos, a vegetação se desenvolveu sobre uma espécie de esponja. Junte-se a tudo isso 40 dias e 40 noites de dilúvio e a receita fica completa.

Um curioso cronista de generalidades não serve para explicar fenômeno tão complexo. Melhor transcrever o que dizem os pesquisadores da Epagri/Ciram (SC): “As rochas de regiões tropicais, como em Santa Catarina, são recobertas por mantos de alteração espessos, compostos por fragmentos de rocha e material inconsolidado, em sua maior parte argila que expande em contato com a água e contrai na sua ausência. Quando recebe muita água esse manto de rocha podre “trabalha”, aumentando seu volume. Mas quando a água começa a escoar, esse material passa a se contrair, o que pode gerar novos movimentos de massa e conseqüentes deslizamentos. Além disso a maior parte dos solos é composta por uma camada superficial mais arenosa, seguida de uma camada onde se concentra a argila. A água das chuvas acumula-se entre essas camadas, gerando uma pressão hidráulica que, em contraponto com a pressão gravitacional, pode provocar o colapso de toda a camada superior”.

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Reúne-se a estes fatores, que favorecem os desabamentos, a resistência de algumas pessoas em deixar suas casas situadas em morros, elevando o número de vítimas. A base eleitoral de meu irmão concentra-se no Vale do Itajaí, de alto a baixo. Justamente no “olho do furacão”, o deputado participou de uma equipe de resgate. Em Rio dos Cedros encontraram um italiano agarrado às suas dez vaquinhas, dentro de um velho estábulo. A moradia já estava soterrada. Renitente, o italiano só concordou em sair com uma condição: se os animais fossem salvos antes, Dio mio! As dez vaquinhas foram conduzidas a um local seguro, com o nono atrás. Pouco depois o estábulo foi sepultado pela montanha.