Do norte do Paraná em direção à Serra do Mar, um rastro de pegadas vermelhas denuncia a corrente migratória provocada pela concentração de renda e emprego Serra Abaixo. Outro fenômeno, também preocupante e agora observado pelos ambientalistas, é a migração da Gralha Azul, que desce em bando rumo ao litoral paranaense.

continua após a publicidade

Reza a velha lenda que, numa madrugada branca de neve, a Gralha Azul aguardava o sol nascer acomodada num galho amigo onde dormira, quando ouviu a batida aguda do machado e o gemido surdo do pinheiro. Era o machadeiro golpeando a árvore para transformá-la na principal fonte econômica do Paraná, depois da erva-mate.

A Gralha se alvoroçou. Erriçou as penas, tiritou de medo, as pancadas repetidas pareciam repercutir em sua alma alada. Sentindo o coração balançar junto com o tronco, desesperou-se e partiu num voo vertical, bateu asas bem além das nuvens para não ouvir mais os estertores do pinheiro amigo.

Lá nas alturas, bem além do arco-íris, escutou uma voz plena de afeto:

continua após a publicidade

– Nem tudo está perdido! Pelo menos as aves se compadecem com as dores alheias!

Ainda assustada, a Gralha Azul se fez de surda e subiu mais e mais, na imensidão. A voz acompanhou o voo, e novamente se fez ouvir:

continua após a publicidade

– Volte, ave compadecida! Volte para os pinheirais! Dou-lhe minhas palavras que não se perdem no vento: de hoje em diante, eu a vestirei de azul, da cor deste céu e, ao voltar ao Paraná, você vai ser minha ajudante, vai plantar os pinheirais. O pinheiro é o símbolo da fraternidade. Ao comer o pinhão, tire-lhe primeiramente a cabeça, para depois, com as bicadas, abrir-lhe a casca. Findado o repasto, reserve um bom bocado e nunca esqueça de enterrar alguns pinhões com a ponta para cima, já sem cabeça, para que podridão não destrua o novo pinheiro que dali irá nascer.

“Do pinheiro nasce a pinha, da pinha nasce o pinhão. Pinhão que alegra nossas festas, onde o regozijo barulhento é como um bando de gralhas azuis matracando nos galhos altaneiros dos pinheirais do Paraná. Seus galhos são braços abertos, permanentemente abertos, repetindo às auras que o embalam o meu convite eterno: Vinde a mim todos!”

Quando a gralha atingiu a mais alta das alturas, que surpresa! Onde seus olhos conseguiam ver o seu próprio corpo, observou que estava todo azul. Somente ao redor da cabeça, onde não enxergava, continuou preto. Sim, preto, porque ela é parente do corvo por parte das árvores. Ao ver a beleza de suas penas da cor do céu, voltou célere para os pinheirais. Tão alegre ficou que o seu canto passou a ser um verdadeiro alarido, mais parece com vozes de crianças brincando nos Campos Gerais.

O tempo passa, o tempo voa, e as lendas não mudam à toa. Quase um século depois, estava a Gralha Azul posta em desassossego num galho amigo, quando ouviu o grasnar da motosserra e o gemido lancinante do pinheiro. Já não era o machadeiro golpeando a árvore para transformá-la na principal fonte econômica do Paraná, depois da erva-mate. Era o criminoso da motosserra. E o pinheiro amigo já não era um pinheiro como tantos outros, era a última das araucárias num raio de 10 quilômetros. Outra igual, e mais próxima, só tinha serventia para as máquinas fotográficas digitais dos turistas.

Sentindo o coração tombar com o tronco, a Gralha Azul numa pequena revoada foi procurar abrigo num dos milhares de pínus que se adonaram dos Campos Gerais. Ao pousar no galho estranho, ouviu do alienígena:

– Fora daqui que este latifúndio tem dono!

Azul, a plumagem ficou vermelha. Vermelha de vergonha.

Sem eira nem beira, a Gralha Azul bateu asas no rumo de Curitiba, sobrevoou o pico do Marumbi, desceu a Serra da Graciosa em ponto morto e, desnorteada, juntou-se aos bandos que sobrevivem no Rio Nhundiaquara. A Gralha de arribação hoje mora de favor num belo sítio de Porto de Cima, onde o caseiro veio de Londrina.