Um homem do mar que vivia na Ilha das Peças voltava para casa depois de um dia de pescaria ao largo da Ilha das Cobras, já ao anoitecer. Vinha cansado e com a canoa bem leviana, visto que os peixes estão cada vez mais retraídos na Baía de Paranaguá. Antes de guardar as tralhas, sentou à beira do trapiche e começou a talhar num pedaço de pau, com a faca peixeira, um brinquedo de Natal para o filho.

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A faca peixeira, comprida a afiada, é para o pescador um instrumento para toda a obra. É feita para escalar o peixe e muitas vezes também é de serventia para ser dar ao respeito. O homem do mar estava lá entretido, quando apareceu do nada uma galinha que começou a ciscar em volta. De tanto esgravatar ao derredor, o homem do mar começou a ficar incomodado com aquele cacarejar. Apesar do pescador a enxotar com a ponta da peixeira, ela não lhe saía do pé.

Subitamente, ao levar uma pinicada da faca, a galinha se transformou numa mulher muito bonita, completamente nua. Coisa igual o homem do mar só tinha visto, bem de longe, numa praia deserta da Ilha do Mel. Quando recuperou a calma, o pescador tirou a camisa e a ofereceu a mulher, como forma de lhe tapar as vergonhas.

– Sou uma feiticeira! – disse a mulher, sem ter sido perguntada. Venho da capital e preciso ser levada com urgência à Ilha do Mel. O senhor poderia me fazer esse favor?

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Perplexo, o homem do mar esquivou-se.

– Tenho família em casa à minha espera, senhora! Além do mais, não tenho mais braços para botar o barco na água!

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Mesmo assim, ela tanto insistiu que ele acedeu ao pedido da feiticeira:

-Basta me pegar no colo e dar um passo para trás, mas sem olhar!

Cheio de receio, ele assim procedeu. Queria ver-se livre o mais depressa possível daquela mulher. Mal deu o passo para trás, olhou em volta e estava na Ilha do Mel. Assim num átimo de segundo. Abobalhado e sem saber o que fazer, o homem do mar perguntou:

– E agora? Como volto para a Ilha das Peças?

Agradecida, a feiticeira foi até a pousada onde estava hospedada e voltou com uma peça de linho branco.

– Segura esse linho branco e dá um passo para trás, novamente sem olhar!

O homem do mar assim o fez e, ao abrir os olhos e olhar em volta, estava de volta ao trapiche da Ilha das Peças. Era como se aquela viagem à Ilha do Mel tivesse acontecido num tempo que não correspondesse a nenhum relógio do mundo. Apoitou a canoa e, assim que se recuperou do acontecido, voltou para casa sem dar um sumiço no tecido da feiticeira.

A mulher, desconfiada do linho branco, abriu o interrogatório. Teria achado na praia ou o mimo foi em troca de favores? Com medo de revelar a aparição da feiticeira, o homem do mar não quis contar o acontecido com a galinha. Na manhã seguinte, depois de até acusar o marido de ter uma amante muito rica na Ilha do Mel, a mulher achou um destino para o linho branco:

– Vou costurar algumas cuecas para você usar na virada do ano. Assim, nunca mais vou lhe presentear com cueca branca no Natal.

Dito e feito, a feiticeira deixou um maldito legado para o homem do mar. De cueca branca nas oferendas a Iemanjá, sempre que dava um passo pra trás ao pular uma onda sua vida recuava. Passaram-se os anos e ainda hoje o velho homem do mar não cansa do queixume:
– Esse litoral do Paraná é um atraso de vida! Culpa daquela feiticeira da capital!

(Lenda adaptada do folclore açoriano)