O advogado Clelio Toffoli Junior me enviou um texto com o coração anexo. Curitibano com origens em Buenos Aires, Clelio faz contraponto com o epílogo do livro Curitiba: Melhores Defeitos, Piores Qualidades. Que, aliás, já pode ser encontrado na rede Festval, o mais curitibano dos supermercados.

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“Escuta o tempo queimando / dia e noite, noite e dia / aquela dor que doía / e agora já não dói tanto / Escuta o tempo crestando / com sua fogueira fria / aquele jardim que havia / defronte daquele banco…” (Rumor, de Bruno Tolentino)

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O amigo Dante Mendonça, em seu livro sobre Curitiba, recém-lançado, enfileira lembranças da sua cidade, no capítulo intitulado “Lembra?”. Lembranças dantescas, que muitas vezes se cruzam com as nossas, dando a impressão de obra aberta, sedenta por mais experiências.

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Acreditando nisso, esse menino nascido no Portão, forjado no Rebouças e na Dr. Pedrosa, piá na “Vila dos Bancários”, emprestado ao Recife, voltado ao Rebouças pra terminar de crescer e por fim pai no Bigorrilho, diz ao cronista que sim, lembro de muita lembrança daquelas, mas lembro as minhas lembranças também.

Lembro da Batavo da Westphalen, o verdadeiro leite gelificado; lembro da Padaria Nikos, com duas entradas uma pela Pedrosa outra pela Emiliano, lembro da Maria que a todos servia muito bem; lembro de tomar as defuntas Fanta guaraná e Fanta limão na Nikos; lembro da Turma da Pedrosa, que nos deu grandes curitibanos e outros menores; lembro do Bazar Avenida, da Iguaçu, da Papelaria Formares, da Silva Jardim e da Fioravante, na Getúlio Vargas; lembro da Vila dos Bancários, um quadrilátero de duas quadras incrustado no Seminário, todo de casinhas de dois andares, modestas mas muito bonitas, limitado pela Iguaçu de um lado e pela Getúlio de outro, cortado ao meio pela rua Bernardo Leinig; lembro do Bar do Ito e do Bar do Pires, os verdadeiros limites do avô naquela vila; lembro da Rei do Disco com suas lojas na XV, onde aprendi a gostar de música, da velha Savarin da Saldanha e principalmente da Música Viva, na Galeria Júlio Moreira; lembro da Galeria Júlio Moreira, cruzando do Largo à Catedral, com suas lojas, a Banca do Mário, a loja de sucos, o Cacá e a Confeitaria Papo de Anjo (que não vendia papo de anjo, mas tinha um bom empadão); lembro das tardes na piscina do Curitibano, pulando a catraca sob o olhar piedoso do porteiro; lembro dos restaurantes Muralha da China e Grande Muralha, pioneiros dessa comida esquisita entre nós; lembro da Pizzaria Guairacá e da casinha de madeira em frente à Palazzo; lembro da Churrascaria Vovô Juca, na Visconde, e seu filé de igreja; lembro da Churrascaria Boi na Brasa, um dos primeiros rodízios, hoje tão amados por aqui; lembro dos carrinhos do Au Au espalhados pela cidade; lembro do Sarinha, com o Ivo; lembro do Sal Grosso e do 68, no coração do Largo da Ordem, quando ainda havia ordem por lá; lembro do Poeta Maldito, do Lino’s e do Marião, tudo o que houve de “underground” em Curitiba; lembro dos shows de rock no Barigui, mas principalmente lembro do Rock no Parque, três dias em 84, pedra de lançamento de quase tudo o que se ouviu depois durante mais de uma década; lembro dos shows no Círculo e no Tarumã, superlotados; lembro da Praça Oswaldo Cruz quando ainda era só uma praça em frente ao quartel que ainda era quartel; lembro do grande monturo ao lado do Ceasa da Iguaçu, crateras da lua para os piás; lembro da Biblioteca Pública, lotada de estudantes; lembro da sorveteria do Freddo, argentino responsável pelo único foguetório da cidade no fim da copa de 78; lembro do Nosso Jardim, experiência de educadoras visionárias; lembro do colégio Bom Jesus e suas turmas separadas; lembro da unificação das turmas e da excitação dos meninos, mas chega de lembrar…

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Lembro das coisas felizes e boas, mas lembro das tristes, das perdas, dos finais e dos nem começos, das esperanças de passado, que preferia esquecer. (Clelio Toffoli Junior)