Contados os mortos e feridos de Santa Maria, na Rua Ubaldino o Vampiro de Curitiba apontou o indicador para o alto do edifício em frente e, com a voz de escárnio, provocou o ouvinte de janela aberta:

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– Não falei?

Que Santa Maria ore por nós e nos livre do inferno que pode estar por trás do número 666 em qualquer de nossas ruas. Arrefecidos a perseguição aos alvarás com prazo de validade vencidos e o furor em busca de hidrantes e portas de emergência, aos poucos fica “tudo como dantes no quartel d’Abrantes”, e os sócios ocultos da tragédia voltam a dormir o sono dos injustos.

Menos na Rua Ubaldino. Lá do Alto da Rua XV vem uma voz em busca de sossego nesta Curitiba perdida: “Ah! Espada do Senhor, até quando descansarás na tua bainha?”.  

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Primeiro foi um templo de desafinados que abriu suas portas no ouvido de Dalton Trevisan. A Igreja Central Irmãos Cenobitas “ergueu anunciando sinais e prodígios, não a flauta doce e harpa eólica para louvar o Senhor, mas a caixa de ressonância da buzina do Juízo Final”.

Não bastasse o cego e surdo irmão da igreja ao lado (“Ó irmão cenobita que torturas o sossego e flagelas os que te são vizinhos”), tempos depois uma sauna se instalou na esquina da Rua Ubaldino. Furibundo, o Vampiro foi ao olho da rua para ameaçar: “O Senhor dos Exércitos enviará maldição aos predadores do sossego!”. 

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Como as “matracas e baitacas” da sauna não ouviam seu protesto, com o peso de sua obra o escritor procurou amigos e admiradores, chegou até a bater (indiretamente) na antessala do prefeito, mas mesmo assim não achou nenhum poderoso para cassar o alvará daquela maldita casa de libertinagens que lhe emprenhava os ouvidos.

Com tudo o que passou na Rua Ubaldino, só mesmo o Vampiro de Curitiba pode escrever sobre o sossego profanado: “Onde o fiscal? Onde a lei do silêncio? Onde o que conta os decibéis?”.

Em cada esquina de onde se vê o luminoso de uma boate, de dedo em riste o Vampiro lança suas imprecações:

– Ó araponga fanha! Ai de ti que furtas ao próximo o bem da quietude! Por tuas guitarras e bateria de mil decibéis serás condenado! Bandinha maldita, nunca mais nasça ruído de ti! Comilões da paz e beberrões do vinho da poluição sonora, quando entrarão na vara de porcos e no lago se afogarão? Afasta de nós esse cálice da balbúrdia e da aflição de espírito! Ai de ti que furtas ao próximo o bem da quietude! 

Filhos da Ubaldino e das outras ruas, chorai sobre o fim da paz e do sossego! Eis aí a Curitiba perdida!