Lamentações da Copa

Não por falta de um expressivo protesto escrito que a Copa do Mundo no Brasil deixaria de chegar aos seus momentos decisivos no mais rotundo sucesso. Se Dalton Trevisan fosse um tanto desfrutável, também seria escalado para escrever sobre futebol. Colunista político ou econômico, crítico literário ou repórter policial, na Copa todos são convocados a dar os seus palpites. Na contramão dos deslumbrados, o Vampiro de Curitiba escreveria “Lamentações da Copa”, um protesto decalcado no conto “Lamentações de Curitiba”. A palavra do mestre contra os fariseus do futebol no dia de sua visitação:

“Suave foi o jugo de João Havelange diante da corte de Joseph Blatter, escarmentada sob a pata da imprensa como laranja azeda que não se pode comer de azeda que é”.

“Ai, ai da Fifa, a sua sede na Suíça não será achada daqui a uma hora”.

“Gemerei pelo futebol; sim, apregoarei por todas as arenas a nuvem que vem pelo céu, o grito dos infantes das categorias de base a anuncia; porque o Senhor o disse”.

“Nos dias de suas aflições os sobreviventes de Jérôme Valcke serão levados pela mão dos mortos para a morte horrível. Dos hotéis cinco estrelas do Rio de Janeiro não ficará um garfo, aqui uma panela, ali uma xícara quebrada; e no Centro de Imprensa ninguém informará onde era o túmulo de Garrincha”.

“O que fugir de um juiz ladrão não escapará de um bandeirinha cego, o que escapar de um cartola voraz não fugirá do apostador faminto, mas o que escapar das falcatruas não fugirá de si mesmo e terá morte pior”.

“Os empresários dos atletas afiam seus bicos recurvos por causa do dia que vem perto. Escorrerá devagar o tempo de jogo como azeite derramado, eis a chaga da aproximação do dia. Cada um exibe na camisa o estigma da besta multinacional; aqui há sabedoria”.

“O pânico virá na grande final no Maracanã, no meio de um minuto de silêncio pela morte do futebol, diz o senhor; as bicharocas desfilarão nos vestiários diante do espelho e não darão com sua imagem”.

“A estátua de Pelé madrugará com os olhos na nuca para não ver”.

“As árvores das ruas em torno da Arena da Baixada sacolejarão os juízes enforcados como roupa secando no arame”.

“De assombro as Marias Chuteira atearão fogo às vestes gritando das janelas o fim dos tempos”.

“Com tantas mordomias nos camarotes da Fifa, nas piscinas dos balneários serão tantos os convidados afogados que a cabeça de um encostará nos pés do outro, e onde o uísque para mil e um velórios?”.

“Ai de ti, Curitiba, carece o teu povo dos prometidos legados da Copa. Dos teus viadutos estaiados em ouro, das tuas calçadas forradas com notas de três reais, da tua avenida ladrilhada com brilhantes, a gente perguntará: Que fim levaram?”.