Lagosta falsificada e outras fraudes deliciosas

Com o bacalhau a preço de lagosta e lagosta a preço de caviar, sem falar que estão vendendo baiacu como se fosse carne de siri, nesta Páscoa muito malandro come sardinha e arrota garoupa.

Contam alguns historiadores ateus que a proibição de comer carne na Páscoa vem da antiga prática mercantilista dos pescadores bascos que, em troca de propinas para o Vaticano, recebiam do papa o prolongamento dos dias recomendados ao consumo do peixe entre a população católica. Como se sabe, os bascos foram os primeiros a pescar bacalhau nas águas geladas do Canadá, bem antes de Cristóvão Colombo conhecer as ilhas paradisíacas do Caribe.

Para atender os preceitos religiosos sem cometer um pecado mortal contra o próprio bolso, uma boa opção é fazer como a escritora Flora Munhoz da Rocha (foto) – a recentemente falecida esposa do ex-governador Bento Munhoz da Rocha Netto -, que tinha receitas próprias com frutos do mar para o cardápio de Páscoa.

Com o vatapá, por exemplo, ela simplificava ao máximo: “Não me conformava com toda aquela trabalheira de descascar e ralar coco para extrair o leite num guardanapo. Torrar e moer o amendoim. Lidar com peixe e camarão, além do exaustivo revezamento na colher de pau, mexendo o panelão. Inconformada com todo aquele cansaço para ser consumido num vapt-vupt, eu cometi a heresia de alterar tudo e transformar num vatapá à moda da Flora. É com prazer que passo aqui a receita de uma experiência bem sucedida: ter à mão seis coxas de frango (sem pele) refogadas e cozidas do modo convencional. Desossá-las, Cortar em pedaços. Reservar. Esfarelar numa vasilha um pão de forma. Ferver um litro e meio de leite com um vidro de leite de coco e meia embalagem de Amendocrem. Derramar sobre o pão. Acrescentar o conteúdo de uma embalagem de Pomarola, também quente. Bater e misturar no liquidificador e ir passando para a panela grande. Juntar três colheres de azeite de dendê, sal e molho de pimenta. Levar ao fogo, mexendo até engrossar.

Acrescentar o frango. Ferver mais cinco minutos e pronto, é só saborear”.

O pirão que acompanha o vatapá da paranaense é muito simples: “Ferver um litro de água com leite de coco e sal. Diluir em dois copos de água fria uma embalagem de farinha de arroz, ir despejando na água fervente, mexendo até o ponto”.

A especialidade de dona Flora em falsificações de frutos do mar chegou ao ápice com as “saladas de composições ilimitadas”, era quando a cozinheira preferida de Bento Munhoz da Rocha sentia a satisfação inusitada em misturar ingredientes que nunca andaram juntos; como ela mesma conta: “Certa vez, elaborei uma muito gostosa e tão, tão aplaudida, que remeti a receita para o concurso da revista Claudia. Recebi, como prêmio, uma enorme geladeira”.

A salada premiada era uma combinação de camarão, maçã e peixe badejo que, devido a um truque, adquiria sabor e consistência de lagosta. Dona Flora conta o segredo: “É só cortar, em tirinhas, badejo ou mesmo cação e deixar, durante vinte e quatro horas, mergulhado em abundante suco de limão. Retirar o peixe assim curtido e utilizá-lo cru”.

Feliz Páscoa e muitos prazeres à mesa, mesmo que o bacalhau venha com sotaque bem paranaense.