Lady Godiva do Batel

O trânsito de Curitiba é fonte preciosa de histórias. A cidade cresce desvairada, nas ruas resta um campo de batalha. Como se fossem correspondentes de guerra, os motoristas de táxi contam histórias inacreditáveis. Relatos de violência, e até de poesia: é o caso da bela mulher que varou a cidade nua, montada numa motocicleta.

Basta conversar com o taxista, as histórias se sucedem. Uma delas conta de uma senhora, dirigindo uma Mercedes, que ofendeu o motorista de uma BMW com o dedo anular em riste.

Indignado, o motorista da BMW esperou o sinal fechar, encostou o carro ao lado da madame e, com uma barra de ferro, quebrou todos os vidros da reluzente Mercedes. Com a senhora em estado de choque dentro do veículo, o agressor simplesmente jogou o cartão de visita no colo da vítima e se despediu: ?Passe bem, esse é o cartão do meu advogado!?

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No Centro Cívico, um senhor muito bem-posto soltou os demônios quando teve o seu Vectra fechado por um táxi. Este retrucou com outra fieira de impropérios. Na esquina, o sinal fechou. Com o táxi à frente, o bem-posto motorista desceu do carro e, do alto dos seus quase dois metros de altura, tirou o taxista do veículo pelo colarinho e o arremessou no asfalto com um murro. Não satisfeito, antes de lhe dar um chute na cara, pisou no pescoço do motorista.

Foi tudo muito rápido. Quando o sinal abriu, o bem-posto cidadão seguiu em direção do bairro, como se nada tivesse acontecido. De repente, tiros de revólver e duas balas acertaram a lataria do Vectra. O bem- posto agressor olhou pelo retrovisor e lá estava o taxista agredido no seu encalço, empunhando uma arma.

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?Coisa de cinema. Parecia um presente de Deus!? – contou outro motorista, emendando histórias: ?Eu estava na Avenida Batel, quando cruzei com uma moça nua, montada numa moto. Dá para acreditar??

Por que não? Diz a lenda que, na Inglaterra de 1043, a bela lady Godiva morria de pena do povo que sofria com os altos impostos do marido, o conde Leofric. De tanto a bela esposa interceder pelos súditos, o marido concedeu a benesse, com uma condição: que lady Godiva desfilasse nua pelas ruas do condado, montada num cavalo. Ela aceitou a proposta, contanto que o povo fechasse portas e janelas de suas casas. Diz a lenda que o único súdito que ousou olhá-la ficou cego.

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Há cerca de três meses estávamos no Bar Ao Distinto Cavalheiro, e eis que adentra nossa conhecida. Bonita, elegante e bem falante, o ambiente sempre se transformou com a presença daquela que é, desde menina, uma das mulheres mais inteligentes e controvertidas de Curitiba: tem legião de desafetos e batalhão de admiradores.

– Chegou a lady Godiva do Batel! – murmurou o companheiro de balcão, também amigo da bela que chegava.

– Como é que é?

– Não sabia? Nossa lady Godiva realizou um antigo desejo. Prometeu desfilar nua pela Avenida Batel, montada numa motocicleta. Ela saiu do bar freqüentado por motoqueiros no centro da cidade e disparou pela Carlos de Carvalho até a Pracinha do Batel. Depois de percorrer a Avenida Batel em grande estilo, pela Vicente Machado voltou ao ponto de partida. Prometeu e cumpriu!

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Não era outra lenda urbana, e o motorista de táxi tinha razão: o corpo da lady Godiva do Batel é um presente de Deus. E quem adivinhar o nome da donzela ganha um chocolate Godiva.