As mocinhas que pedalaram nuas pelas ruas centrais de Curitiba, numa noite de 15ºC, deveriam ganhar estátuas. Bem como diz a lenda de 1040, quando a população de Coventry, Inglaterra, dedicou a Lady Godiva uma estátua para lembrar a todos a cavalgada da bela desnuda em benefício do povo.

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Conforme mostram as imagens do fotógrafo Lineu Filho, magrela no retrato só mesmo a bicicleta. Nossas mocinhas da cidade são bonitas, fofas, pedalam bem, e mostraram na noite fria da Bicicletada tanta coragem e desprendimento quanto a justiceira inglesa.

Se a história se repete como farsa ou tragédia, nossas formosas ciclistas se espelharam em Lady Godiva para reescrever com honestidade uma sensual aventura em defesa da liberdade e da justiça. Liberdade antes de tudo, pois as nossas Ladies Godiva fizeram da própria nudez uma representação da singeleza e simplicidade da bicicleta.

Nos seus passeios eqüestres na propriedade de Coventry, Lady Godiva conheceu melhor a vida dos camponeses e teve pena daquela existência miserável em prol de meia dúzia de ricos proprietários. Na origem de todos os sofrimentos dos camponeses estavam os impostos cobrados por Leofric, marido de Godiva. Tudo era taxado, inclusive o estrume vendido e usado nos campos. A bela Lady Godiva tanto implorou ao marido para reduzir os impostos que ele concedeu, com uma condição: que ela cavalgasse nua pelas ruas de Coventry. A bela aceitou a proposta e mandou todos os moradores se fecharem em suas casas até que o trote do cavalo não fosse mais ouvido. Diz a lenda que somente uma pessoa ousou olhá-la, e ficou cega em consequência. Ao final da história, Leofric retirou os impostos e Lady Godiva foi eternizada com uma estátua no centro de Coventry.

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Diz ainda a lenda que Lady Godiva encobria suas “vergonhas” apenas com os seus longos cabelos ruivos. Nossas Ladies Godivas, com os seus cabelos curtos, não só não demonstraram o menor pudor em defesa das ciclovias, como também revelaram uma das velhas “vergonhas” do poder público: o automóvel, um bem privado, é o privilegiado do espaço público. O filhinho rico e mimado do sistema. Já a bicicleta é uma pobre coitada, sem os mesmos direitos. Por falta de coragem política e de infra-estrutura é enjeitada e reprimida.

Em plena campanha eleitoral para prefeito e vereadores, com tantos candidatos expondo suas pobres “vergonhas” na televisão, foi uma felicidade para o espírito o desfile das musas sem roupa no Dia Mundial sem Carro.

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A beleza de nossas Ladies Godivas não está apenas na fotografia em preto e branco de Lineu Filho, nas curvas seguras da coxa generosa, na sensualidade que os braços firmes insinuam, ou no fetiche do selim como pedestal erótico. Belo é o olhar sereno da valente Godiva de cabelos encaracolados, como se o brilho do olho lançasse da cabeça erguida um desafio aos pávidos: nós estamos transparentes, vocês estão pelados!