Isso é que é!

Fiscal da prefeitura nas horas vagas, Irone Santos era o nome de um jornalista que batucava uma velha Olivetti aqui nesta redação. Bigodinho, terno escuro, chapéu de feltro com peninha, saía de casa de banho tomado num tonel de perfume Lancaster.

Mais parecido com um “carrapicho”, que era como se chamava então o repórter policial, Irone Santos era cronista esportivo de carteirinha e, além do mais, inspirado criador de slogans.

É bem verdade que ele criou apenas um. Um apenas, mas imbatível slogan. Também é bem verdade que a frase se perdeu no tempo, nunca foi devidamente aproveitada:

– São José dos Pinhais, terra dos aviões!

Era assim que o radialista abria o seu programa esportivo:

– Da terra dos aviões, Irone Santos Confidencial!

Ou então:

– Confidencial! Na Terra dos Aviões, são pontualmente doze horas e trinta e cinco minutos!

Infelizmente, até hoje São José dos Pinhais não rendeu justa homenagem ao falecido jornalista que um dia fechou o programa com o seguinte furo esportivo:

– Confidencial! O Atlético treinou hoje na Baixada!

De tamanha expressão e graça, as grandes frases da propaganda nos acompanham para o resto da vida. A da Volkswagen é uma delas: “Você conhece, você confia”. Outro slogan que ficou na história da propaganda foi o da Coca-Cola. Não. Não esse que imediatamente nos vêm à memória: “Isso é que é!”.

Tem outro, de autoria inimaginável: Fernando Pessoa, o grande poeta português. Ora, pois, pois!

Por alturas de 1927 ou 1928, Fernando Pessoa trabalhava na filial portuguesa da McCannErickson/Hora, agência de propaganda de propriedade de Manuel Martins da Hora, que embora não fosse um intelectual, fazia parte do “cèrcle” de amigos de Fernando Pessoa.

Colaborador assíduo da Revista de Comércio e Contabilidade, Pessoa sabia de negócios como gente grande e era exímio em “slogans” e “reclames”. Assim, quando a Coca-Cola foi lançada em terras portuguesas, o poeta criou a seguinte frase para o exótico produto.

– Primeiro estranha-se. Depois entranha-se!

A novidade começou a vender em ritmo animador, mas o slogan de Fernando Pessoa ajudou a matar a estreia lusitana do refrigerante: o então diretor de Saúde de Lisboa, um tal de Dr. Ricardo Jorge, mandou apreender o produto existente no mercado e “deitá-lo ao mar”. Ricardo Jorge, contava indignado Fernando Pessoa, justificava o seu entendimento argumentando: “Se do produto faz parte a coca, da qual é extraído um estupefaciente, a cocaína, a mercadoria não podia ser vendida ao público, para não intoxicar ninguém; mas se o produto não tem coca, então anunciá-lo com esse nome para o vender seria burla, o que igualmente justificava que ele não fosse permitido no mercado”.

Perante o slogan de Fernando Pessoa, Dr. Ricardo Jorge entendia “que ele era o próprio reconhecimento da toxicidade do produto, pois que, se primeiro se estranhava e depois se entranhava, isso é precisamente o que sucede com os estupefacientes que, embora tomados a primeira vez com estranheza, o paciente acaba por adquirir a sua habituação”.

A Coca Cola (L’acqua nera del capitalismo) entrou com o pé esquerdo em Lisboa e os empreendedores locais contabilizaram um enorme prejuízo com sua interdição, no que resultou o fechamento da representação em Portugal e o fim da brilhante carreira de Fernando Pessoa como “diretor de criação”.

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Se hoje fosse vivo, Irone Santos teria comunicado ao mundo:

– Confidencial! Dilma Rousseff tomou posse!

Em seguida, após a leitura de um ligeiro editorial elogiando o novo governo, Fernando Pessoa baixaria na Terra dos Aviões:

– Dilma Rousseff, isso é que é! Primeiro estranha-se. Depois entranha-se!