É só olhar da janela: o nosso velho e tenebroso Inverno se aposentou por invalidez. O sucedâneo, nos diz a moça do tempo, é um tal de Inverninho, diminutivo que nem ao menos zero grau alcança. Verdade que ninguém é insubstituível. Entrementes, convenhamos, o Inverninho que está lá fora é bem mixuruca.

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Relaxado, este Inverninho nem de longe tem o caráter do nosso velho e tenebroso Inverno. Serra abaixo ou serra acima, lhe falta autoridade. É um frouxo. Basta observar o comportamento desregrado dos Ipês: florescem sem nenhum controle da Mãe Natureza. Suas flores não têm hora para chegar, saem sem autorização, não pedem nem bênção à doce Primavera. O Inverninho é tão indecente que as flores roxas dos ipês batem bolsinhas nas esquinas. Acinte aos bons costumes, saudades daqueles tempos mais católicos, quando os ipês só mostravam suas roupas novas na missa da Catedral, em setembro.

Estamos vendo da janela a dissipação moral da natureza, a decadência climática por falta da mão firme daquele nosso velho e tenebroso Inverno. Com esse Inverninho banana, até as mocinhas da cidade perdem o respeito com o clima. Acreditem, ontem foi possível apreciar uma assanhada galega de saia curta tomando sorvete na Praça Espanha, sem o menor pudor. O dia estava de um azul esplendoroso, é verdade, convidativo ao pecado. Mesmo assim, não podemos esquecer: estamos em pleno Inverno! Aliás, Inverninho. Porque andar com as coxas de fora, nessa estação, só com muita falta de vergonha na cara.

Não podemos confiar em mais ninguém, muito menos na moça do tempo. Um dia ela nos diz que a Frente Fria saiu de Buenos Aires com destino a Curitiba. No outro, pede desculpas aos telespectadores e corrige dizendo que a aquela Frente Fria portenha foi passar as férias de julho em São Joaquim, Santa Catarina.

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Se bem que, não é de hoje, sempre caímos nas armadilhas do tempo. Até os historiadores já foram ludibriados. Nos princípios do século passado, Jayme Dormund dos Reis deixou para a história um depoimento (Das endemias de Curitiba) que, para os exagerados, até cresce a esperança de que ainda pode nevar neste mês de agosto. Escreveu Jayme Reis, sobre o clima de Curitiba: “A neve em abundância é raro apreciar-se, mas todos os anos, quase sempre em agosto, ela faz-se representar, embora mui de leve. Quando ela tem de mostrar-se em toda a sua plenitude, faz-se anunciar por escuridão completa transformando dia em noite, por frio intenso e então majestosa, com suas amplas vestes alvíssimas, floconosas, desce, sendo recebida em espetáculo de gala pelos habitantes alegres que fazem-lhe ruidosa manifestação.”

Mestre Wilson Martins, quando escreveu Um Brasil diferente, puxou a orelha do autor de tão floconosas palavras num pé de página: “É de crer que o dr. Jayme Reis tenha exagerado um pouco, visto que Curitiba não vê neve desde 1928, o que parece dar a esse fenômeno o caráter acidental observado por Reinhardt Maack”.

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Observe-se, Wilson Martins escreveu Um Brasil diferente bem antes do dia 17 de julho de 1975. Neste dia nós testemunhamos o fenômeno de caráter acidental: “A neve desceu majestosa, com suas amplas vestes alvíssimas, floconosas, sendo recebida em espetáculo de gala pelos habitantes alegres que fazem-lhe ruidosa manifestação”.

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Conforme estudo feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Curitiba é a capital com melhor qualidade de vida do Brasil, com o seu desenvolvimento humano, social e econômico. Não fosse a aposentadoria por invalidez do velho e tenebroso Inverno, seríamos habitantes de uma cidade de primeiríssimo mundo. Uma Estocolmo tropical, considerando ainda a neve de caráter acidental, porém previsível, e uma temperatura pouco acima da cidade de Yakutsk, na Sibéria Oriental, a cidade mais fria do mundo. Eis um título que nos falta: segunda cidade mais fria do mundo. O que embaça a imagem de Curitiba no mundo é esse Inverninho mixuruca.