Inferno tropical (2)

Na novela, o paraíso do turismo sexual. Na vida real, a corrupção de menores é um flagelo que vem de carona no mesmo vôo que traz fortunas para a indústria do turismo. O tráfico de mulheres para a Europa nunca foi tão grande e bem organizado.

Mas nem sempre foi assim. Se hoje exportamos prostitutas, tempos atrás o paraíso tropical foi um grande importador de mulheres destinadas aos prostíbulos. Desde 1500, existem registros de mulheres que eram enviadas de Portugal para equilibrar a oferta e procura de sexo no Brasil Colonial.

Entretanto, um dos capítulos mais negros da história das Américas se desenrolou do final da década de 1860 até o início da segunda Guerra Mundial, em 1939. Nesse tempo, milhares de jovens, a maioria delas oriundas dos miseráveis shtetls rurais da Europa Ocidental, eram negociadas como escravas por uma quadrilha composta inteiramente de mafiosos judeus, traficantes de sua própria gente.

A história desse triste período está no livro Bertha, Sophia e Rachel – A Sociedade da Verdade e o tráfico das polacas nas Américas, de Isabel Vincent (245 páginas, Editora Relume Dumará). Obra vencedora do prêmio Canadian Jewish Book Awards, como melhor livro sobre histórias judaicas em 1985, é uma corajosa reportagem que conta a história de três entre milhares de jovens judias forçadas à prostituição na América do Sul: Berta, que organizou a Sociedade da Verdade, de ajuda mútua; Sophia, vendida pelo pai aos 13 anos; e Rachel, forçada à prostituição pelo próprio marido.

Baseada em documentos históricos, estudos acadêmicos e entrevistas, a autora de origem judaica conta o destino das jovens polacas para a prostituição, atraídas pela Zwi Migdal, com a promessa de emprego e casamento. Elas deixavam para trás a fome, a pobreza e o anti-semitismo dos guetos da Polônia do início do século XX e vinham cair nos prostíbulos da América Latina, África do Sul, Índia e Nova York.

No seu auge, registra Isabel Vincent, o império criminoso Zwi Migdal controlava prostíbulos em lugares tão diferentes quanto Johanesburgo, Bombaim e Xangai, mas a América do Sul era o território mais lucrativo. Para as jovens apanhadas pelo tráfico, Buenos Aires era a primeira parada na região e de lá eram embarcadas clandestinamente para o Brasil.

As escravas brancas não tinham onde morrer. Marginalizadas pela própria religião, criaram no Rio de Janeiro o seu próprio cemitério, que ainda existe. No livro Ciclo das águas, o escritor Moacyr Scliar escreveu sobre as prostitutas enterradas no Cemitério de Inhaúma.

O sambista Moreira da Silva, da década de 50, compôs uma samba para uma mulher chamada Estera Gladkowicer, sua amante. Como tantas outras, ela se matou e está enterrada numa área do Inhaúma destinada a suicidas. O samba de Moreira da Silva inclui os versos ?ich bin meshugene fur dir?, a versão em iídiche de ?Sou louco por você?. Vem da zona de meretrício do Mangue, no Rio de Janeiro, a origem da palavra ?encrenca?, gíria para ?problema?: deriva do iídiche ?ein krenk?, ?um doente?, clientes suspeitos de terem alguma doença venérea.

 O princípio do fim da Zwi Migdal na América Latina começou no alvorecer do dia 10 de maio de 1930, em Buenos Aires. Depois das denúncias da corajosa Rachel Liberman, os homens do delegado Alsogaray saíram arrombando casas de tolerância, foram aos bairros elegantes algemar os proxenetas em seus apartamentos de luxo. No total, foram expedidos 424 mandados de prisão contra membros da Zwi Migdal. Graças a Rachel Liberman, foram confiscados registros bancários e outros documentos que incriminavam alguns dos mais altos políticos e funcionários públicos da Argentina. Foi o fim da conexão entre a Zona do Mangue e La Boca.

Rachel ficou gravemente doente quando se preparava para voltar à Polônia. Morreu em Buenos Aires, em 7 de abril de 1935. Três meses antes de seu aniversário de 35 anos. Viveu muito; mercadorias humanas viviam bem menos aqui nesse inferno tropical.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna