Muito antes de levar a nossa Zilda Arns há um ano, os sismas do Haiti fizeram tantas vítimas que a ONU ainda vai levar um milênio para consertar todos os estragos que começaram com Cristóvão Colombo, passaram pela famigerada família Duvalier, de Papa Doc e Baby Doc, e que agora estão descritos na “Ilha sob o Mar”, o último romance de Isabel Allende.

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O Haiti é quase aqui, porque a história daquela “ilha do fim do mundo” não fica longe de seus vizinhos latino-americanos, todos eles assolados pelos fenômenos de dominação política, exploração e corrupção. O mundo tem uma dívida impagável com o Haiti. E o preço da reconstrução não cobre uma fração do que a antiga Saint-Domingue tem a receber perante a história. Por ironia do destino, o Haiti foi o primeiro país latino-americano a declarar-se independente. E, mais irônico ainda, é que em fins do Século XVII, em Saint-Domingue, as plantações de cana-de-açúcar transformaram a ilha, de dominação francesa, na colônia mais rica do mundo.

Depois de ganhar o mundo com o formidável “A Casa dos Espíritos”, em 1982, os romances seguintes de Isabel Allende deixaram um certo gosto de “quero mais”. Não no sentido de que, um depois do outro, todas as outras obras da chilena radicada na América do Norte tivessem o mesmo sabor. Ao contrário, queríamos os demais romances com o mesmo gosto do primeiro, “A Casa dos Espíritos”, que se transformou num dos títulos mais vendidos da literatura americana e, por consequência, num filme que deveríamos ter perdido. Mas não perdemos. Assim como não deixamos de perder os livros seguintes de Isabel Allende, na esperança de um dia a escritora acertar novamente a mão da boa contadora de histórias que é.

Com a “Ilha sob o Mar” – ufa! -Isabel Allende quase chegou lá, ao contar a história romanceada daquela ilha do açúcar e do fel: “O açúcar era o ouro doce, e cortar a cana, triturá-la e deduzi-la a melaço não constituía trabalho de gente, mas de bicho, como diziam aos plantadores”.

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A tragédia que nos levou Zilda Arns foi o maior dos sismas nos últimos 200 anos. E por certo vai marcar tanto a história quanto o terremoto causado pela família Duvalier, Papa e Baby Doc de sinistra memória.

O terremoto Duvalier começou com Papa Doc, o Pai Doutor que instaurou a carnificina com o terror policial dos “tontons macoutes”, a sua guarda pessoal que andava com um fardamento impecável, cáqui, calças vincadas, camisas engomadas e o principal, óculos rayban. Como se fosse pouco, o badanha explorou até o vodu para se sustentar como presidente vitalício a partir de 1964. Não é preciso dizer que o “doutor morte” substituiu a igreja católica pelo culto ao vodu e exterminou a oposição até o talo.

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Em 1971, um novo terremoto foi sentido inclusive nos Estados Unidos, quando Papa Doc morreu. Dessa feita os tremores foram da felicidade que durou pouco, até assumir o filhote de satanás Jean-Claude Duvalier.

Baby Doc tinha magnitude 5 na Escala Richter, enquanto carniceiro-mor chegava a bem mais que 7, caso acordasse com os cornos virados para o inferno. Com baixos teores de enxofre, em 1986 Baby Doc decretou estado de sítio, o povo se revoltou e a besta acabou fugindo com a família para a França.

As tropas brasileiras no Haiti aguardam para as próximas horas mais terremoto: como o segundo turno das eleições previstas para ontem foram adiados, isto porque os resultados do primeiro turno ainda não foram proclamados, o ex-presidente Jean Claude Duvalier, com 59 anos, voltou neste domingo para a “ilha do fim do mundo”. Baby Doc pretende colaborar para mais um livro de Isabel Allende.