Hora suprema

Curitiba era conhecida como túmulo das orquestras argentinas e espanholas que vinham se apresentar nas boates da cidade. Suspiros de Espanha, Cassino de Sevilla, Los Falcones Negros, principalmente aquelas que tinham seu próprio corpo de baile, quase sempre os empresários perdiam uma dançarina de tango, que acabava se apaixonando por algum polaco da Barreirinha e aqui encerrava a carreira.

Hortência Fuentes foi uma delas. Estrela do balé da boate Stardust – que agitava as madrugadas da Praça Osório -, em fevereiro de 1970 ela foi convidada por um rico admirador para passar a semana de Carnaval na Ilha do Mel.

“Pero que si, pero que no”, a dançarina acabou aceitando o convite. Mas com uma condição: antes precisava consultar o guapo Osiris de Brito: personagem das crônicas do escritor Nireu Teixeira e com uma legião de amigos na cidade, Osiris era o que se chamava na época de um “garufa”.

Naqueles tempos em que os bacanas tinham que ter um cavalo no prado e uma amante argentina, as damas da noite eram divididas entre os garufas e os gigolôs. Numa comparação, bandido era o gigolô e mocinho era o garufa – ou malandro, em referência ao clássico tango argentino. O garufa vivia a boemia com uma certa poesia. Namorava a bailarina, ela fazia um rápido programa com o endinheirado, mas o garufa sabia que no final da noite quem ia dormir com ela era ele, e não o coronel. E no dia seguinte ainda iam almoçar juntos no restaurante Rio Branco, sem constrangimentos. Ela pagava a conta, por supuesto! 

Como o admirador de Hortência era conhecido do garufa Osiris, as negociações para o Carnaval na Ilha do Mel não foram lá muito demoradas. Custou uma garrafa de uísque de boa procedência, algumas taças de “clericot” (gasosa com frutas) para ela e chegaram a um bom acordo. Muy bien, mas com duas condições – exigiu Hortência:

– Pagamento adiantado!

O coronel puxou do bolso do paletó um maço de notas:

– O que mais?

– No me leve a mal se en la hora suprema…yo te llamar de Osires!

Hortência ficou conhecida em Curitiba como a “Deusa da Hora Suprema”. Depois de se encantar pela Ilha do Mel, onde virou a musa da praia das Encantadas, a bailarina caiu na conversa de um mecânico de Joinville e terminou sua carreira de dançarina no Boqueirão, atendendo clientes da retífica de motores do marido.

Osires de Brito, por sua vez, nunca mais se livrou daquela frase em seu ouvido: “Em la hora suprema… ai, Osiris de mi corazón!”.